Rafael Papodemos. Pediram-me
para escrever a respeito. Aceitei, embora seja um grande risco; inevitavelmente
ele lerá, deve estar lendo agora, neste momento, mesmo que este seja o momento
em que eu estou escrevendo. Ou tentando. Tentaram-me com aquela frase de que
todo homem tem o seu preço; uma frase que eu tanto repudio. Mas a necessidade
obriga e o preço era irrecusável, vocês podem imaginar. No entanto, coloquei
minhas condições: dizer tudo! Para minha surpresa, não titubearam em responder
que era isso mesmo que desejavam. Nada poderia ser omitido. É claro que eu não
sei tudo, somente o que todos sabem ou o que muitos dentre todos sabem; melhor,
alguns dentre muitos dentre todos sabem. Mas querem que todos saibam. Dito isto,
este pequeno prólogo, este intróito, este exórdio, esta introdução, esta
explicação - menos para vocês do que para me explicar para o Rafael, que deve
estar rindo, sarcástico, se é que ele consegue rir ou demonstrar sarcasmo,
vamos ao que importa para os que me pagam.
Rafael Papodemos. Não se sabe
a sua idade, estado civil, profissão ou verdadeira nacionalidade, mas todos
dizem que é grego, embora haja divergências. O que se sabe é que é uma pessoa
horrível! O pior entre os piores, o maléfico entre os maléficos; talvez pior
ainda do que Aleister Crowley, que foi considerado o pior entre todos os homens
da sua época, e que se autodenominava a Besta 666. Não sei por que; no seu
tempo não houve Apocalipse. Mas agora haverá, se deixarmos, graças a Rafael Papodemos.
Tudo indica, inclusive o Calendário Maia, o Egípcio e tantos outros calendários
ainda não descobertos porque estão muito bem guardados por aquelas sociedades
secretas que adoram esconder tudo de todos, ou não seriam secretas.
Rafael Papodemos. Fala-se
muito sobre ele; que a primeira vez em que ficou milionário - depois de acertar
em uma daquelas loterias não muito confiáveis, que engordam os bancos e os
governos – não deu festas, não presenteou os amigos, não participou de grandes
viagens em transatlânticos para ver o Roberto Carlos cantar, não comprou carros
importados nem mandou construir mansões luxuosas, não casou com a BBB mais
linda. Sumiu. Sumiu e investiu o dinheiro. Todo o dinheiro. Não comprou nem uma
caixa de bombons para os irmãos, embora eu não acredite que ele tenha irmãos.
Pessoas como Rafael Papodemos não tem irmãos, não tem parentes, não tem amigos,
tem somente espelhos e muitos são os espelhos que existem nas casas de Rafael
Papodemos. Mas vamos por partes.
Rafael Papodemos. Logo que
reapareceu foi muito fotografado, cada vez com um rosto diferente. Máscaras, só
poderiam ser máscaras, mesmo que parecessem rostos verdadeiros, humanos, de
carne e osso. Estava imensamente milionário. Mais imensamente milionário do que
o mais imensamente milionário. Sabe-se apenas, com quase certeza, do seu corpo.
Nem muito baixo, nem muito alto. Esguio e forte como o de um ginasta. E dos
olhos. Os olhos são imperdoáveis, de um verde claríssimo que assusta e
intimida. Poucos são os olhos assim, mas há quem diga que usa lentes. Apareceu,
ou reapareceu, como que do nada, como se dissesse aqui estou; não esperavam por
mim?
Rafael Papodemos. Começou a
circular em círculos... Mas o que estou escrevendo? Quem circula, circula em
círculos, não sejamos tão óbvios! Círculos cada vez mais fechados.
Fechadíssimos! Relacionando-se com poucas pessoas, selecionadas entre as mais
seletas – e até aí estava tudo normal, porque é assim que os muito ricos agem.
Fecham-se como ostras, com medo de que roubem a sua preciosa e escondida
pérola. Ouvia muito, falava pouco, dizem que com uma voz metálica, mas deve ser
lenda. Sempre arredio, cuidadoso, cercado por aqueles imensos guarda-costas.
Mesmo quando o convidavam para participar de negócios, que deveriam ser
secretíssimos, os guarda-costas ficavam ao lado ou em volta e ninguém podia
dizer ou fazer nada a respeito. Não com Rafael Papodemos.
Rafael Papodemos. Foi eleito
O Cara Do Ano pela revista Forfaite e, ao receber o prêmio, fez aquele discurso
que todos conhecem ou deveriam conhecer, absolutamente inútil e antiético.
Disse que estava recebendo o prêmio porque era muito rico e não pelos seus
belos olhos (foi esta a expressão usada!), porque se fosse um negro pobre
jamais receberia prêmio algum, mas chibatadas travestidas de salário mínimo.
Todos se retiraram e ele saiu gargalhando entre todos. No dia seguinte recebeu
uma intimação judicial. Deveria se desculpar perante os negros. Negou-se. Foi
preso simbolicamente e condenado simbolicamente a prestar serviços à comunidade
ou pagar uma multa gigantesca para a indignada comunidade negra. Pagou a multa
e ainda disse que era esse o seu desejo ao fazer aquele discurso: ajudar os
negros pobres. Foi novamente intimado a comparecer em juízo para explicar-se,
mas a acusação foi retirada, o promotor ganhou inesperadas férias com passagens
pagas para Cancún e o juiz se considerou suspeito, porque pertencia a um dos
clubes de Rafael Papodemos. Já naquela época todos os clubes eram de Rafael
Papodemos.
Rafael Papodemos. Alguns
dentre os muito ricos, os mais afoitos e desavisados – e é difícil acreditar
que existam afoitos e desavisados entre os muito ricos -, iniciaram uma
campanha moral contra Rafael Papodemos, nas suas revistas, jornais e canais de
televisão. Através de terceiros, Rafael Papodemos comprou todos os veículos de
comunicação. Ou quase todos. Restou uma revista, que parecia inexpressiva, onde
um dos colunistas disse que Rafael deveria ser gay, porque nunca fora visto com
mulher. Em um dos seus jornais, Rafael concedeu uma entrevista onde dizia que
não era gay porque abominava o sexo passivo, acrescendo que respeitava a
escolha sexual de cada um. Foi processado e pagou a multa astronômica antes de
ser condenado, afirmando que gostaria de ajudar as associações de GBLT. Juízes
e promotores respiraram aliviados: não precisariam dar-se por impedidos ou
viajar para Cancún. Naquele mesmo mês, Rafael disse, em outra entrevista para
uma das suas revistas, que mulher era uma questão de preço. Chamou todas as
mulheres de prostitutas. No dia seguinte, os seus advogados concordaram em
pagar a multa muito acima do que as associações femininas previam, e Rafael
afirmou que tinha dito aquilo porque era a única maneira que encontrara para
ajudar o movimento feminista, que achava tão bonito. Divertia-se.
Rafael Papodemos. Foi
considerado louco, excêntrico, extravagante, mas, quando chegaram as eleições
todos os políticos de todos os partidos correram a bater à sua porta. Rafael
montou um escritório, que denominou de “Escritório de Ajuda Política”, onde todos
os candidatos iam receber os seus cheques e prometer lealdade e honestidade com
a coisa pública. A coisa pública era Rafael. Acredito que ainda seja.
Lembram-se daqueles escândalos? Rafael. Todos eles. Sempre através de agentes
fantasmas, que concordavam em dar a cara para bater no caso de serem
descobertos. Quase todos foram descobertos, condenados e soltos. Ainda faltam
alguns, que terão o mesmo belo e folgado destino.
Rafael Papodemos. Certa vez
um dos últimos grupos anarquistas o chamou de anarquista. Ele revidou dizendo
como posso ser anarquista se eu sou a cara do Sistema? Aliás, eu sou o Sistema.
O Sistema não reclamou. Sumiu novamente, depois de comprar todos os bancos e
casas de crédito. Foi quando começou a crise na Europa e os seus seis gigantescos
guarda-costas foram fotografados por um daqueles repórteres paparazzi em um
café de Paris. Suspeita-se de que Rafael estivesse entre eles. Depois em Roma,
Berlim, Tóquio, Nova Iorque, Londres e até nos Alpes suíços, quando aconteceu
aquele desastre que matou três agentes da inteligência internacional. Rafael
Papodemos. Ele também tem os seus agentes especializados, que se antecipam a
qualquer ação. Antecipou-se e comprou os serviços secretos do mundo inteiro,
com governos e tudo. Os governos não reclamaram, o preço era muito bom.
Reservou-se o direito de escolher presidentes e primeiros-ministros. Através de
eleições, é claro, mas todos os políticos eram de Rafael Papodemos. Foi quando
surgiram os livros denunciando os Illuminati, o Clube de Roma, a Távola
Redonda, o Foreign Office dos Estados Unidos, o Clube Bilderberg, a associação
Caveira e Ossos, extremamente secreta, mas flagrada por um cineasta indiscreto
em uma das suas iniciações de homossexualismo implícito e drogas estranhas,
inclusive bebidas com alto teor alcoólico. Todos os escritores apontavam essas
organizações secretas como as responsáveis pelos males do mundo, até pelo
efeito estufa. Não posso afirmar com certeza, mas minhas fontes fidedignas
dizem que eram escritores a soldo de Rafael Papodemos. Seria uma manobra
diversionista para que o mundo internético acreditasse nas maquiavélicas
manobras dos dominadores do mundo real – reis, presidentes, banqueiros,
domadores de circo, apresentadores daqueles irritantes programas de variedades,
jogadores de futebol que conhecem o drible do coice, princesas, misses e
colunistas sociais que se deixam matar, aos poucos, pelo amor ao ócio,
seriíssimas apresentadoras de jornais televisivos com olhar magnético e
transbordante sex-appeal; blogueiros indiscretos que escrevem aparentes
absurdos, sempre errando na pontuação e na concordância, artistas, escritores,
poetas, escultores; especialistas em instalações onde tresanda o cheiro do amor
e quase anda o engano da morte, entre cortinas que parecem irreais, sons
multidimensionais, aparições surreais e atmosfera densa e voluptuosa; jogadoras
de tarô, viciadas em bingo, adolescentes hipnotizados por jogos eletrônicos;
mães, pais e filhos de todos os clubes comunitários onde se fala sobre a paz e
o bem e se pensa em futebol e novelas; estudantes valorosos dispostos a mudar o
mundo através de passeatas a favor da liberação das drogas mais leves; as
últimas donzelas que ainda esperam o seu cavaleiro andante, perdidas nas nuvens
de uma idade média não tão média, mas muito própria. Rafael Papodemos.
Rafael Papodemos. Lembram dos
tsunamis na Indochina e Japão, do terrível terremoto no Haiti, e outros
terremotos menores, mas não menos sinceros e graves? Pensem bem nas ameaças de
guerra entre as duas Coréias, na primavera árabe que já está virando outono,
nas ameaças diárias entre Irã e Israel, na nova crise das Malvinas, nos
assaltos diários no Brasil, na invasão dos morros do Rio de Janeiro, nas
eternas balas perdidas que enfeiam o corpo de tantas pessoas. Pensem nas crianças
mudas, telepáticas e nos adultos apáticos que fingem que nada está acontecendo
e que sempre dizem que não é com eles a tragédia do vizinho. Rafael Papodemos.
Rafael Papodemos. Dizem que
foi ele que convenceu Dilma Roussef a construir a hidrelétrica de Belo Monte,
mas pode ser boato. Ele teria sido o responsável pela aprovação do Novo Código
Florestal, também conhecido por Código do Desflorestamento Final. São os seus
satélites que vigiam, observam, anotam, fazem gráficos e análises complexas
sobre a Mata Atlântica e a Amazônia, com o único objetivo de alegrá-lo quando
aumentam as queimadas e mais árvores são cortadas e arrancadas. São os poucos
momentos em que fica feliz. Também gosta dos programas do Jô Soares e do Silvio
Santos, mas tem ojeriza pelos filmes de Fellini. Depois que ele comprou as
bolsas de valores do mundo inteiro, brinca fazendo com que elas oscilem
diariamente. Principalmente na Europa, porque detesta a figura que simboliza o
euro. Acha o dólar mais rebuscado, mas passável; costuma rir-se do real e diz
que nunca entendeu porque o FHC repudiou os próprios livros ao tornar-se
presidente pela primeira vez. Considera o Lula uma graça, mas diz que a Marisa
é mais simpática. Não gosta de falar sobre Dilma Roussef. Alguns mais próximos
(e são tão poucos!) afirmam que o único momento em que sente algum temor é
quando ouve Dilma falar. Não se sabe o porque. Talvez algum trauma de infância,
se é que Rafael teve infância.
Rafael Papodemos. Há boatos
de que ele teria preferido o Brasil para morar devido ao Carnaval, período em
que ele pode vestir-se de baiana e soltar a franga em várias escolas de samba
que patrocina. Mas, evidentemente, são boatos maldosos, provavelmente
espalhados pelo repórter que disse que Rafael é gay. Foi a primeira vez que
Rafael reclamou da extrema liberdade de imprensa, embora quase toda a imprensa
seja dele. Quase. Os veículos de comunicação anarquistas (aqueles dois!)
recusaram-se a se vender por uma questão de ética. Ou de ótica, porque é muito
comentada uma reunião extremamente anarquizada, onde rolou vodca com guaraná e
aquela droga que o FHC defende, e alguns diziam que seria muito
anarco-político-independente vender-se a alguém do Sistema, pegar o dinheiro e
depois jogar coquetéis molotov no próprio jornal, em protesto. Mas voltaram
atrás quando os que ainda não estavam bêbados lembraram que ficariam sem jornal
e tornar a pichar paredes é contraproducente e cansativo, além do frio e da
geada das noites de inverno. Já os comunistas não se fizeram de rogados.
Venderam-se na hora. Como estão muito preocupados em promover a revolução
burguesa, para somente depois tentar a revolução socialista, acreditaram que um
dinheirinho a mais vinha a propósito. Restou, também, uma revista, a última das
nanicas, cujo dono disse que preferia tentar o suicídio jogando-se nas águas
poluídas do Tietê a vender a razão da sua vida, que é lida somente por ele, a
família e alguns vizinhos e conhecidos. Eu inclusive. Rafael Papodemos não deu
bola. Preferiu voltar a sua atenção para assuntos mais interessantes. Fundou a
era do sertanejão country, aproveitando para vender chapéus de cowboy, cavalos
de raça, bois que parecem touros e toda aquela parafernália que os adeptos e
simpatizantes adoram usar nas festas que julgam tão necessárias. Depois de
divertir-se um pouco com tudo aquilo, Rafael Papodemos sumiu de novo,
justamente no momento em que se falava muito em aquecimento global e mudança
climática.
Rafael Papodemos. Vocês
adivinharam – foi ele! Não tinha mais o que fazer, disse certa vez a uma das
amantes compradas, que foi logo vender a sua informação para aqueles jornais
anarquistas. Não ganhou nada, apenas o prazer, embora não se saiba que tipo de
prazer. Não tinha mais o que fazer, ora vejam! Os muito ricos tem essa mania de
não ter o que fazer e é justamente quando fazem as coisas mais terríveis.
Fabricou o seu próprio ônibus espacial, que o levou para a sua estação orbital
particular. De lá, olhou para nós e disse a célebre frase: “A Terra é azul.”
Pois, pois. Olhou para o céu e, no primeiro dia ficou extasiado, no segundo dia
ficou deslumbrado, no terceiro dia demorou-se a olhar para as crateras da Lua.
E viu que era bom. No quarto dia bombardeou a atmosfera terrestre com o seu
laser especial, no quinto dia apontou o seu telescópio para a Terra e ficou
chateado com tanta confusão e bagunça que ele tinha promovido; no sexto dia
programou no seu computador um novo ser mais evoluído e complexo para povoar o
nosso planeta e criou os genes sintéticos de uma natureza submissa. Adorou. No sétimo dia descansou, dormindo enquanto voltava.
Rafael Papodemos. Nunca
deveremos esquecer esse nome. Quando lutamos contra o aquecimento global, o
buraco na camada de ozônio, os raios refletores que atingem a ionosfera e
provocam todo o tipo de transtornos chamados pela sua mídia de “naturais”, os
transgênicos que adormecem e desertificam a terra, o desmatamento desenfreado,
a fome e a sede de milhões de habitantes deste nosso pequeno planeta, as
injustiças que são consideradas normais pelos governantes governados por ele...
lutamos contra Rafael Papodemos.
Os mais trôpegos dizem que não se pode
lutar contra alguém que domina a tudo e a todos, mas recentemente foi
descoberta uma maneira. O dono daquela revista, a última revista nanica, enviou
para um dos túneis onde Rafael Papodemos se refugia esperando o fim do mundo
que programou para dezembro, com a ajuda dos seus cientistas comprados... O
dono daquela revista enviou para Rafael Papodemos um espelho. Nunca se ouviu
tamanho grito; inclusive, ouve ameaça de tsunami, porque a terra tremeu
ameaçadoramente. Mas temos que correr todos os riscos contra o risco maior da
nossa extinção. Espelhos continuam a ser enviados para Rafael Papodemos. Dizem
que ele os quebra. Melhor: sete anos de azar. Mas sete anos é pouco. Se você
não conhece o endereço de Rafael e quer participar da campanha envie espelhos
para todos aqueles que se venderam, principalmente para os políticos. Ainda há
uma chance.
Credo! Esse tal de Rafael Papodemos existe? O mundo parece girar em torno dele. Até parece a cara do sistema. Ou não? Esta postagem tocou em todas a feridas, Blogueiro. Parabéns!
ResponderExcluirLidia.