sexta-feira, 13 de abril de 2012

LEVEZA


Sejamos leves. É importante que a leveza esteja presente em todas as nossas ações, sejam elas quais forem. Leveza é sinônimo de democracia. Leveza e ar perfumado. Observemos a mídia amestrada: como é leve em seus falares e dizeres. Também os políticos amestrados. São leves e suaves. Jamais discutem, apenas colocam posições. Obviamente, estão todos perfumados. Faz parte dos hábitos da época. Adoram comissões de inquérito para inquirir o que todos já sabem.

     - Sr. Bicheiro, é verdade que o senhor é banqueiro de jogo do bicho? Pode me dar um palpite para que eu faça uma fezinha?

     - Oh, sim. Tente o 666.

     - Sr. Corrupto Reconhecido, quanto roubais?

     - Apenas o suficiente; tenho muitos parentes.

     E nos debates:

     - Exmº Sr. Deputado que se opõe a mim, saiba que eu me oponho a vós.

     - Anotado, Exmº Sr. Deputado que se opõe à minha oposição. Saiba que tenho o senhor em alta estima e o convido para um cafezinho na sala das Abóboras Coloridas para fazermos um acordo que una as nossas oposições tão ferrenhas.

     - Dependerá do preço, Ilustríssimo Excelentíssimo senhor prezado deputado.

     - Quanto a isso poderemos falar com um dos ministros amigos ou com algum dos empresários ansiosos por uma fraudulenta licitação. Nada que não se possa resolver com uma boa conversa. Estamos numa democracia.

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     - Prezado senador que tanto ilustra com o seu saber e erudição esta casa do Congresso, gostaria de lembrar a todos as suas ligações com a ditadura oficial fardada naqueles anos de chumbo, quando o Brasil ganhou a Copa do Mundo e ficamos tão felizes.

     - Foram apenas ligações tênues, Excelência. Um ou outro assassinato, algumas necessárias torturas, e nada que eu tenha visto; apenas informações sigilosas que perderão o sigilo daqui a cinqüenta anos quando esta democracia estará devidamente consolidada.

     - Foi como eu disse, Excelência. Eu apenas gostaria de falar a respeito, mas perdi o gosto subitamente quando Vossa Excelência mencionou aqueles atos de bravura e peço à Presidência que considere o meu discurso como lido. Quem desejar lê-lo na íntegra deverá entrar na página do Senado e ali encontrará todas as reticências e eufemismos necessários.

     - A Mesa considera lido o seu discurso, senador. Com a palavra agora, quem é mesmo, secretário? Está na lista, Presidente. Ah, o senador Sono Impenetrável, que já está na tribuna e vem nos honrar com a sua ilustre presença. Por favor, senador.

     - Exmº Sr, Presidente, excelentíssimas e belas senhoras senadoras, excelentíssimos senhores senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, povo brasileiro.

     - Venho a esta tribuna, aliás, não mais venho porque aqui já estou, para denunciar veementemente o que está se passando bem às nossas vistas. São coisas que não me permitem calar, acontecimentos de tamanho significado que nem o verbo de um Cícero ou a indignação de um Silveira Martins conseguiria relatar. Estou aqui para dizer ao povo que me elegeu que estou perplexo e estupefato, talvez mais estupefato do que perplexo – embora não use estupefacientes. Sinto o meu peito doer, as minhas veias latejarem, o meu coração bater descompassado ante os fatos que estão aí para todos verem e julgarem. Estão aí, à vista de todos, senhoras e senhores! E é uma vergonha que estejam aí, porque não deveriam expor-se dessa maneira tais coisas vergonhosas; melhor seria varrê-las para debaixo do tapete, mas, nesse caso, até o tapete deveria ser varrido para debaixo de outro tapete e não teríamos tapetes suficientes para encobrir toda essa lama que não nos deixa caminhar direito nesta grande sala. Coro de vergonha ao narrar esses fatos, mas tenho o dever, a obrigação moral, de não ficar calado perante aqueles que me elegeram e que em mim confiam... Concedo aparte ao digníssimo senador Servílio Servílius, que muito honra esta casa com o seu trabalho, a sua magnificência, a sua lucidez, o seu destemor...

     - Obrigado, sapientíssimo senador Sono Impenetrável. Faço minhas as suas palavras neste momento de tristeza em que tantas coisas estão aí e aí não deveriam estar. Que é feito das faxineiras e dos encarregados pela limpeza? Estarão em greve de novo? Mas isso é uma desfaçatez! Gostaria de saber quem inventou a greve para mandar prendê-lo! Obrigado, senador Sono Impenetrável.

     - A lama, senhoras e senhores! A lama! Exceto no Nordeste e no Sul, onde há estiagem sazonal - mas isso não nos compete, porque todos sabem que chuva é incumbência de São Pedro - haverá chuva e lama assim no restante do país? Até quando sofrerá o povo brasileiro com tanta chuva? Niemayer, oh Niemayer! Por que tantas curvas nesta cidade que está afundando na água pútrida, quando deveria haver apenas uma reta calha providencial? Até quando, São Pedro, abusarás da nossa paciência?

     A leveza. Sejamos leves. É a leveza que faz uma democracia. Vejam as notícias, como são ditas levemente.

     - Três criancinhas morreram de fome hoje, mas a presidente Dilma prometeu que acabará com a miséria em breve. O PIB está cada vez maior.

     - Cidadão morreu de ataque cardíaco em Farmácia Popular, devido à falha do sistema que estava fora do ar, e os vendedores da farmácia não quiseram liberar o remédio. O Governo informou que novas Farmácias Populares estão sendo abertas em todo o país para servir à população. O PIB está cada vez maior.

     - Acidentes com morte ocorreram em todas as estradas brasileiras neste fim de semana, mas o Ministério dos Transportes comunicou que o número de acidentados foi menor do que no ano passado, na mesma época. O PIB está cada vez maior.

     - O desmatamento na Amazônia foi apenas de 34% este mês; 14% a menos do que no mês passado. Os satélites que constataram o desmatamento funcionaram muito bem. O PIB está cada vez maior.

     Coisas assim, ditas com a leveza democrática que o tato jornalístico exige.

     De vez em quando, uma entrevista com seres estranhos e cultos.

     - O que o senhor acha do peripatético andar dos caminhantes?

     - Saudável. Aconselho a todos a caminhar. O povo brasileiro que está acostumado a andar de ônibus deveria andar mais com as suas próprias pernas. Além do mais, ajuda a emagrecer.

     Leveza. Devemos ser leves como é leve a vida para os que afirmam que a vida é leve. É uma questão de democracia. Cada um no seu lugar. Graças a Deus.

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