quarta-feira, 13 de abril de 2011

NEGÓCIOS DA CHINA


A presidente Dilma foi à China com 200 empresários a tiracolo. Chegou vestida de vermelho, como para dizer que também é comunista, mas lá não pega. O regime chinês, que está mais para um capitalismo de estado, mas conserva as bases do socialismo, deve saber discernir quem é quem.

     E sabem que Dilma e amigos estão lá apenas para negócios, para aproveitar o momento da abertura do mercado chinês – mesmo que uma abertura controlada.

     Nos meados do século XIX, os ingleses e norte-americanos transformaram a China em um país completamente degradado. Era o início da segunda Revolução Industrial e os irmãos de língua inglesa estavam explorando a Índia e a China. A Índia tinha sido invadida pela Inglaterra, transformando-se em possessão britânica, em colônia inglesa. O território invadido e “colonizado” pelos ingleses era bem maior que a Índia atual. Incluía, também, o atual Paquistão, Bangladesh e Mianmar, que era chamado de Birmânia. Foi uma “colonização” que durou quase um século – de 1858 a 1947.

     Mas os ingleses queriam mais, no século XIX. Queriam a China, que sempre tinha sido um país fechado, com a sua célebre Muralha que a separava do mundo exterior, construída depois que os chineses tinham conseguido expulsar os mongóis do seu território.

     Começaram a invadir a China pacificamente, através de negócios. Os ingleses compraram toneladas de produtos chineses, tais como porcelana, seda e chá. Compravam esses produtos, e outros, a preço muito barato e os revendiam pelo triplo do preço no mercado europeu. Eram os chamados “negócios da China”. Mas havia um problema: a China não comprava nada dos ingleses. Os chineses estavam contentes com a sua própria produção interna e não se interessavam por produtos do exterior. Apenas vendiam, não compravam.

     Naquela época, a Inglaterra tinha descoberto no plantio e venda do ópio – que é considerada uma das drogas mais viciantes do mundo – uma maneira rápida e eficiente de fazer muito dinheiro. As grandes plantações de papoula da Índia forneciam toneladas de ópio que eram exportadas livremente para os países europeus, para a própria Inglaterra e para os Estados Unidos.

     Calcula-se que entre 1831 e 1859 o consumo aumentou cerca de 2,4% ao ano. Em 1830, a exportação da droga foi de 40 toneladas, elevando-se para 127 toneladas em 1860. Mais de 34 toneladas foram reexportadas para os Estados Unidos. Era a droga da época. Havia casas de ópio em toda a Europa e Estados Unidos, onde os viciados compravam o produto e o fumavam em um cachimbo especial.

     E os ingleses, para furar a barreira imposta ao comércio pelo império chinês, passaram a exportar ópio para a população chinesa. Primeiro clandestinamente; depois que já tinham formado um grande público consumidor, venderam toneladas de ópio livremente. Muitas grandes fortunas foram feitas devido ao tráfico de ópio.

     Steven Sora, no seu livro “Sociedades Secretas da Elite da América – Dos Cavaleiros Templários À Sociedade Skull And Bones” (editora Madras, 2005), revela os nomes das famílias norte-americanas, inglesas, irlandesas e outras que enriqueceram com o tráfico de ópio. Em primeiro lugar cita os Jardine, Matheson e Sutherland – que eram escoceses e formaram a firma de comércio de ópio “Jardine and Matheson”, que publicava uma revista chamada “Opium Circulars”, informando sobre os mercados e preços da droga.

     Hugh Matheson, que era norte-americano e sobrinho de James Matheson, resolveu entrar no negócio e fez alianças com bancos importantes como os dos Schroeder e dos Baring. Seguiram-no os Mckay, Bingham, Girard, Astor... Mas Thomas Perkins ganhou de todos e foi, durante muito tempo, o maior traficante de ópio dos EUA. Depois dele, vieram os Cabot, Lowell, Endicott, Hooper, Higginson e Elias Derby, que foi considerado o primeiro milionário norte-americano e interessava-se, também, pelo tráfico de escravos.

     Mas não parou aí: a família Cushing, Joseph Russell, a família Sturgis, J. P. Morgan, Warren Delano Jr., avô de Franklin Delano Roosevelt, Abiel Abbot Low, o clã Forbes, os Winthrop, os Bowditch e tantos outros da mesma elite. Afinal, não se fica milionário apenas devido às bênçãos de Deus.

     Quando a China foi finalmente “invadida” pelo ópio traficado por ingleses e norte-americanos, através da Companhia da Índias Orientais, a droga ameaçava seriamente não só as finanças do país, como também a saúde dos soldados. A corrupção grassava. Para chamar a atenção do imperador, um ministro descreveu a situação da seguinte maneira:

     “Majestade, o preço da prata está caindo por causa do pagamento da droga. Em breve, vosso império estará falido. Quanto tempo ainda vamos permitir este jogo com o diabo? Logo não teremos mais moeda para pagar armas e munição. Pior ainda, não haverá soldados capazes de manejar uma arma porque estarão todos viciados.”

     Isso fez com que em 18 de março de 1839, o imperador lançasse um decreto, com um forte apelo à população. Através de um panfleto, advertiu do consumo de ópio. As firmas estrangeiras foram cercadas pelos militares, que em poucos dias apreenderam e queimaram, na cidade de Cantão, mais de 20 mil caixas da droga.

     Foi o principal pretexto para a Primeira Guerra do Ópio (1839-1842), vencida pelo império britânico que obrigou a China a pagar uma pesada indenização, permitir o tráfico de ópio e entregar Hong-Kong, que ficou sob domínio britânico por 100 anos. Em 1856 a China infringiu o Tratado de Nanquim, o que propiciou a Segunda Guerra do Ópio, quando a Inglaterra, aliando-se com a França, invadiu a China.

     Ao final dessa segunda guerra, com a derrota da China, onze novos portos chineses foram abertos para o comércio com o Ocidente. Em 1900, o número de portos abertos ao comércio com o ocidente, chamados de "portos de tratado", chegava a mais de cinqüenta, sendo que todos os países europeus, assim como os Estados Unidos e o Japão, tinham concessões e privilégios comerciais.

     O império Chinês estava derrotado e o seu povo drogado.

     No século vinte, começou a guerra do povo chinês contra a dinastia Qing, que era aliada do Ocidente. Em 1911, o líder revolucionário Sun-Yat-Sen derrubou a dinastia Qing e fundou a República Chinesa em 1912. Mas o seu partido, o Kuomintang, dividiu-se em diversas facções, e somente se reorganizou quando, em 1927, Chiang-Kai-Shek assumiu o poder de forma ditatorial. Isso provocou uma guerrilha comunista, liderada por Mao-Tsé-Tung, que foi vitoriosa em 1949, ano em que foi fundada a República Popular da China e expulsos os últimos resquícios da influência ocidental.

     Mao-Tsé-Tung morreu em 1976 e alguns anos depois teve início uma lenta e gradual abertura do regime chinês. Atualmente, a economia da China é a que mais cresce no mundo e é um país que está disposto a fazer negócios com outros países em desenvolvimento. Como o Brasil.

     E Dilma e os seus 200 empresários foram à China. Dilma deve fazer alguns tratados com o presidente chinês e os empresários outros tantos tratados de compra e venda, porque os negócios da China continuam sendo negócios da China. Só não se sabe se vão tentar vender a marijuana brasileira.

     Quanto ao ópio, ainda existe, mas descobriu-se que novas drogas poderiam ser extraídas da semente da papoula, como a codeína, a morfina e a heroína. As duas primeiras são usadas contra a dor e a terceira – heroína – recebeu esse nome por ser usada por soldados, nas guerras, tornando-os “heróicos” e bravos. Tomou conta do mercado europeu e, principalmente, norte-americano. É a droga preferida deles, junto com a cocaína. Inclusive, o consumo junto com a cocaína, em pílulas chamadas de “speedballs” ou “moonrocks”, tem se generalizado.

     A heroína foi muito usada pelos soldados dos Estados Unidos durante a Guerra do Vietnã. E nas guerras posteriores. Calcula-se em mais de um milhão o número de pessoas dependentes de heroína naquele país. E não só soldados. Oficialmente, é uma droga ilícita. Oficialmente.

domingo, 10 de abril de 2011

ENTREVISTA DEPOIS DO JOGO


Repórter – Estamos aqui com o goleador da partida. Prezado Futebolista, o que achou da vitória do seu time?

     P.F. – Foi um jogo fraco, com muitas faltas, e a nossa vitória foi injusta, porque houve um pênalti não marcado para eles, que eu mesmo fiz dentro da pequena área e um gol que eles fizeram e o árbitro marcou impedimento.

     Repórter – Mas, apesar de tudo, uma vitória sempre é uma vitória, não é? Soma mais três pontos...

     P. F. – É. Como você mesmo disse, embora seja uma redundância, uma vitória é sempre uma vitória, futebol é uma caixinha de surpresas, seleção é a pátria de chuteiras e todos aqueles clichês já conhecidos. Obviamente, uma vitória soma mais três pontos; se fosse um empate seria apenas um ponto e, no caso de derrota, nenhum ponto seria somado.

     Repórter – Você deve estar feliz com esta vitória importante...

     P. F. – Feliz de verdade, não, mas eu tenho que aparentar felicidade, você sabe... Por isso, depois que fiz aquele gol, beijei a camiseta do time, fiz um coração com as duas mãos para a torcida, dei uma cambalhota e dancei a dancinha do porco com os meus companheiros. Mas você sabe que isso tudo é coreografia ensaiada no vestiário, porque a torcida é que paga os nossos salários e devemos alegrá-la, fingindo felicidade.

     Repórter - Mas porque você não está feliz?

     P. F. – É que a nossa vitória determinou o rebaixamento para o time deles, o que é uma tristeza. Eles jogam um campeonato inteiro para depois serem rebaixados por culpa nossa... E faltando ainda algumas partidas.

     Repórter – Mas você fez o gol decisivo, naquele entrevero dentro da pequena área...

     P. F. – Para falar a verdade, a minha intenção era tirar a bola para evitar o gol. Mas, infelizmente, dei de rosca e a bola entrou. Além do que, eu estava impedido e o árbitro não deu, nem o bandeirinha acenou, o que me faz pensar que este campeonato está com as cartas marcadas. Não é a primeira partida que a arbitragem nos favorece com erros tão escandalosos.

     Repórter – E a que você atribui esse favorecimento das arbitragens?

     P. F. – Ora, o nosso clube é muito rico... E mesmo que as arbitragens não sejam compradas – o que eu duvido – sempre são induzidas a favorecer o time do clube mais poderoso. Isso é uma tradição no futebol. Imagina a cara do árbitro depois de uma partida em que ele for o responsável pela derrota do time mais rico frente a um time pobre! Coitado! Nunca mais conseguiria crédito em lugar nenhum; talvez nunca mais apitasse. Os árbitros não tem culpa por agirem assim: faz parte do jogo.

     Repórter – Você quer dizer...!

     P. F. – Eu quero dizer que desta vez o roubo foi escandaloso, porque nós tínhamos que ganhar para garantir a liderança do campeonato, e a nossa torcida é muito grande e o clube é muito influente, e até vocês, da imprensa fazem a cabeça do torcedor dizendo repetidamente que nós devemos ganhar, porque somos melhores, etc. Mas de outras vezes...

     Repórter – De outras vezes vocês ganharam porque jogaram bem melhor, não foi?

     P. F. – Algumas vezes nós jogamos melhor e ganhamos. Mas daqueles times mais fracos. Geralmente...

     Repórter – Geralmente?

     P. F. – Geralmente a arbitragem é muito amiga nossa. Talvez vocês lá em cima não percebam, mas há toda uma estratégia de arbitragem quando quer favorecer um lado.

     Repórter – E como é essa estratégia, Prezado Futebolista?

     P. F. – Começa com o árbitro intimidando os adversários, mandando eles jogarem a bolinha deles e ficarem quietos... Eles não podem nem trocar uma idéia que o árbitro marca falta técnica. Depois, começa a não dar as nossas faltas. Podemos atropelar um jogador deles ou dar uma cotovelada que o árbitro manda seguir, dizendo que é jogo de corpo. Depois, quando ainda não fizemos o primeiro gol, dá falta a nosso favor mesmo quando é só jogo de corpo. E quando vai chegando o final da partida e, por milagre, ainda está empatada, basta cair na área deles que o árbitro marca pênalti. E se o goleiro deles defender, manda repetir, dizendo que ele se mexeu. E os cartões amarelos. É a tática mais conhecida: eles dão cartão amarelo no primeiro tempo, para os jogadores adversários, para poderem expulsá-los no segundo tempo e facilitar a nossa vida.

     Repórter – Mas será que você não está exagerando? Isso acontecia em tempos passados. Hoje em dia, os árbitros são muito bem pagos.

     P. F. – Bem pagos eu sei que eles são! Quanto a exagerar, eu não disse nem a metade...

     Repórter – Mas, mudando de assunto, finalmente você conseguiu renovar o seu contrato! E por um salário espetacular! Três milhões de reais!

     P. F. – Não é um absurdo? Num país em que o salário mínimo é 535 reais eu ganho três milhões por mês! E pra não fazer praticamente nada. Só jogar o meu futebolzinho, que vocês dizem que é espetacular, mas só eu sei o quanto é limitado... Ter um bom preparo físico, dar uns dribles nas partidas, fazer uns golzinhos mixurucas...

     Repórter – E você acha que é pouco? Você dá dribles que nem o Pelé; faz gols geniais!

     P. F. – Por favor, não ofende o Pelé. Eu vi vários vídeos dele e ele sim é que era genial. Sem contar que ele jogava contra zagueiros de verdade.

     Repórter – Como assim?

     P. F. – É muito fácil jogar contra os zagueiros de hoje em dia. A grande maioria é só força física e correria. Você conhece algum bom zagueiro que ganhe um ótimo salário? É muito raro. E depois, fazer gols, por favor!, é a coisa mais simples. Na frente de uma goleira enorme daquelas, quem erra gol tem que ser muito ruim. E olha que tem muito jogador que só sabe errar chute!

     Repórter – Mas você não está contente com o seu salário?

     P. F. – E você conhece as cláusulas do meu contrato? Eu não tenho nem a opção de parar de jogar ou terei de pagar uma multa astronômica. E dos três milhões, uma parte vai pro meu empresário, outra vai para não sei qual fundação e eu ainda fico com dinheiro demais. Não é justo eu ganhar tanto só para jogar futebol quando tem tanta gente passando fome e esmolando nas ruas... Você sabe quanto ganha um professor no Brasil de hoje? Mas fui obrigado a aceitar o contrato, porque o patrocinador insistia e o clube pode deduzir grande parte e todos saem ganhando, menos eu, que perco a minha liberdade.

     Repórter – Mas, ganhando tanto você ainda fala em liberdade?

     P. F. – A liberdade é essencial para o ser humano. Para todos nós. É claro que liberdade sem dinheiro nada adianta em nosso mundo. É uma pena que seja assim. Mas eu queria tanto completar a minha educação, fazer um curso superior, me dedicar a alguma coisa que também mexesse com o cérebro e não só com o corpo.

     Repórter – Mas isso é inédito! Você, um jogador idolatrado pelo Brasil inteiro, pensar em largar o futebol e fazer um curso superior! Você tem certeza de que não está cansado demais devido à partida exaustiva e, por isso, está falando dessa maneira, Prezado Futebolista?

     P. F. – Cansado eu até estou um pouco, mas só um pouco, porque eu só corri o suficiente até fazer aquele gol de impedimento e depois me poupei. Hoje à noite tem festa...

     Repórter – Deverá ser uma festa linda com a família, os amigos, no recesso do seu lar...

     P. F. Na verdade, não. Como eu ainda não sou casado, vou para um baile funk, beber umas.

     Repórter – Você quer dizer beber uns refrigerantes, porque você é um atleta e não pode beber álcool.

     P. F. – Não, beber umas mesmo. E talvez fumar um baseado, cheirar uma coca, o que vier...

     Repórter – Você deve estar brincando!...

     P. F. – Não. Sério. Até vamos em grupo, com nossos seguranças e empresários, que vão conseguir pra nós umas minas. Já está tudo combinado.

     Repórter – Você quer dizer que vai haver um churrasco para todo o time, não é?

     P. F. No morro. O churrasco vem depois. Ou durante. Conhecemos alguns amigos trafi...

     Repórter – Obrigado, Prezado Futebolista, o nosso tempo está acabando. Felicitações pela vitória.

     P. F. – Espere aí! Eu queria lhe convidar para a festa. Se você não gosta de pó, pode ficar apenas na cerveja, não tem importância. E se não gosta de mulher, eu lhe consigo... Espere aí!

sábado, 9 de abril de 2011

CONTINUAMOS HORRORIZADOS


Todos nós estamos horrorizados com o massacre das crianças em uma escola de Realengo, no Rio de Janeiro. Horrorizados com a facilidade com que o assassino urdiu e executou o seu plano. Foi muito fácil. Simplesmente pegou dois revólveres, carregou-os, encheu os bolsos com munição, foi até a escola, passou pela secretaria e pediu o seu histórico escolar, entrou em uma das salas de aula e começou a atirar.

     Recarregou as armas, entrou em outra sala de aula e continuou atirando. Subiu ao primeiro andar e repetiu o ritual. E continuaria a fazer o mesmo em toda a escola, se não fosse um dos alunos chamar a policia, que estava a dois quarteirões dali.

     Detalhe interessante: quando ainda estava na rua, atirou em dois alunos que saíam da escola. Foram os primeiros. Depois é que entrou na escola e deu continuou o massacre. E nada. Nada, nenhum segurança, nenhum alarme de segurança, nenhuma câmera de vigilância. Nada. E foi no Rio de Janeiro, a cidade mais rica do estado mais rico do país. Não há desculpa para a negligência do Estado. Talvez porque se trate de um estabelecimento de ensino e educação não é prioridade no Brasil.

     A educação é um caos neste país. Todos sabem disso. É um sistema de ensino falido e estropiado desde os tempos da ditadura militar; e mais estropiado ainda com os últimos governos. Um caos completo. O Brasil investe, em média, cerca de 3,2% do PIB (Produto Interno Bruto) na Educação.

     De acordo com a jornalista Lisandra Paraguassu, um exame da UNESCO revelou que o Brasil tem um ensino de péssima qualidade, se comparado com os demais países da América Latina:

     (…)

     “O estudo mostra que, com algumas raras exceções, o Brasil partilha da mesma sina de má qualidade educacional dos demais países latino-americanos. O único que realmente foge à regra em todos os níveis estudados é Cuba, em que a maioria dos estudantes, em ambas as séries e em todas as disciplinas, aparece no nível mais alto de aprendizagem. Alguns, como Chile e Costa Rica, México e Uruguai, têm situações melhores do que a brasileira, mas ainda têm muitos alunos nos níveis mais baixos de aprendizagem.”

     Professores sem estímulo, alunos sem vontade, drogas sendo vendidas dentro das escolas, grande parte do dinheiro para a educação aplicado na compra de computadores e não como investimento para melhorar o ensino, currículos abaixo da crítica... Parece de propósito. E talvez seja. O desmonte da educação pública pelo Estado talvez seja de propósito para que, aos poucos, devido às muitas críticas, a rede pública de ensino seja privatizada.

     E assim também a segurança nas escolas. Nula. Qualquer doente mental, por razões supostamente religiosas ou por que razões sejam, pode pegar uma arma, invadir uma escola e começar a matar. O Brasil está ficando cada vez mais parecido com os Estados Unidos, também na formação e motivação de assassinos.

     AVALIAÇÃO INTERNACIONAL

     Otaviano Helene e Lighia B. Norodynski-Matsushigue* - Le Monde Diplomatique Brasil (Ed. 43, fev.2011), fazem algumas observações a respeito do atual estado da educação brasileira:

     “No universo dos 65 países que participaram da mais recente versão do PISA (um programa internacional de avaliação de estudantes), o Brasil ocupa o 53° lugar em compreensão da leitura e em Ciências e o 57° em Matemática, à frente apenas de países de muito menor expressão no cenário mundial. Quando, em 2000, ocupou o último lugar do ranking, em um conjunto de 43 países, a maioria dos atuais “últimos” não estava participando da avaliação.

     “Mas a situação educacional da população brasileira é ainda pior. O retrato revelado pelo PISA é apenas parcial, pois não inclui nem aqueles estudantes com menos do que 6 anos de escolarização formal nem os jovens que já foram excluídos da escola, o que totaliza cerca de 20% dos brasileiros de 15 anos.

     “Dos demais países que participaram do programa, em 2009, apenas três (Turquia, México e Indonésia) têm maior porcentagem de jovens fora das regras do PISA do que o Brasil. Se essa fatia de 20% de jovens desprovidos do acesso aos bens culturais fosse incluída na avaliação, nossa média despencaria.

     “Há um aspecto muito perverso em nosso sistema escolar, que tem muito a ver com um dos maiores problemas brasileiros, que é a concentração da renda e a desigualdade social. Como essa desigualdade penetra integralmente no sistema educacional, nossa população é escolarizada de forma muito desigual, tanto quantitativamente como qualitativamente, obviamente em detrimento das camadas mais desfavorecidas.

     “Essa desigualdade educacional atual contribuirá para a formação de uma população adulta muito desigual no futuro – assim como a desigualdade educacional passada foi a grande responsável pela atual desigualdade social e econômica. Assim, nosso sistema educacional contribui para fechar um círculo vicioso terrível: projetar, no futuro, as atuais situações de concentração de renda e desigualdade social.

     E mais adiante:

     “Como o perfil político dos governos (federal, estaduais e municipais), bem como a composição do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras Municipais não se alterou de forma significativa, chegamos à absurda situação de os governantes, que não cumpriram nem fizeram cumprir, em sua plenitude, nenhumas das metas dos planos educacionais por eles propostos e aprovados, agora se voltarem a propor novas metas, iguais ou muito semelhantes às que ignoraram durante os últimos dez anos.

     “Pouco será conquistado, na prática, se continuarmos a elaborar planos sem que seja definido muito claramente quem deve cumprir as metas estabelecidas, em que prazo e, também, quais as condições materiais, em especial as financeiras e orçamentárias, que deverão ser mobilizadas para isso.

     “Sobretudo, devem ser definidas punições para aqueles que deixarem de cumprir a sua parte. Repetir o que ocorreu na última década – escrever metas em algum papel – de nada adiantará. Apenas servirá para enganar a população, por mais dez anos, e uma leitura atenta do próximo PISA revelará, novamente, nossos problemas.”

     Planos de metas, política da Educação... O que mais se faz no Brasil, a respeito da Educação, é falar e escrever. Na prática, quase nada. Aqui, não se sabe nem o que é cultura. Ou melhor, dissocia-se cultura de educação. Temos um Ministério da Educação e um Ministério da Cultura. Em épocas mais sérias, era um único ministério: Educação e Cultura. Mas eram épocas mais sérias, de verdadeira preocupação com o Brasil. Agora, o que interessa é a proliferação de ministérios e secretarias para servir a todos os partidos aliados.

     ESTAMOS HORRORIZADOS

     O Brasil inteiro está horrorizado com aquele massacre. Não só pelo fato em si, como pela maneira como ocorreu. Súbito tira-se a vida de doze crianças e adolescentes e outros dez são feridos, alguns gravemente. O Estado dirá que não poderia imaginar que isso um dia pudesse ocorrer, etc. Mas é necessário esperar que aconteça para que seja feita alguma coisa para melhorar a segurança nas escolas? E será feita alguma coisa?

     Mas deveríamos, também, nos horrorizarmos com as mortes silenciosas de crianças, adolescentes, jovens e adultos, que acontecem diariamente, não só no mundo inteiro, mas por este Brasil afora. Mortes que não são midiatizadas; muitas vezes são escondidas, porque são imorais, provocadas por um sistema infame.

     12,9 milhões de crianças morrem a cada ano no Brasil antes dos 5 anos de vida, já que no nosso país cerca de 10% das pessoas mais ricas detêm quase toda a renda nacional. Quase a cada minuto morre uma criança no Brasil. Morre de fome, desnutrição, miséria, descaso. Mortes silenciosas que não ganham manchetes.

     Todos ficamos apavorados quando vemos, nos jornais televisivos, a fome e a miséria no Haiti. Mas aqui não é diferente. Não podemos continuar vivendo de cartões-postais, de auto-ilusões. A miséria no Brasil é grotesca, principalmente se levarmos em conta de que o Brasil é a quinta economia mundial.

     Recente estudo da Fundação Getúlio Vargas, relata, com otimismo, que o Plano Real diminuiu a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza de 35,3% para 28,8% e atualmente existem 42 milhões de miseráveis em nosso país. A maneira como são colocados esses detalhes é obviamente ufanista.

     Mas 42 milhões de miseráveis no Brasil são 42 milhões de miseráveis no Brasil. São 42 milhões de pessoas abaixo do nível de pobreza. E quantos são os pobres?

     Que o Plano Real tenha ajudado alguma coisa, ótimo. Que as mesadas do governo, as migalhas que caem das mesas dos poderosos, também ajudem mais um pouquinho, muito bom. Mas basta raciocinar um pouco para que se perceba que isso ajuda muito pouco. Muito pouquinho.

     E são esses 42 milhões de miseráveis que estão sujeitos a todo o tipo de doenças e que morrem bem mais cedo que os dez por cento bem alimentados brasileiros. E deixam filhos morrendo de fome e vivendo de drogas pelas esquinas. Crianças que nunca irão à escola e, se conseguirem sobreviver e freqüentar uma escola, a sua capacidade intelectual estará muito aquém do esperado, devido à péssima alimentação e à péssima saúde.

     E receberão uma péssima educação, sujeita, ainda, a perigos de morte na própria sala de aula, porque o Estado somente se horroriza e chora quando as câmeras e os holofotes estão ligados.

     Mas nós, os brasileiros, que não participamos do bolo corrupto do Estado e que temos ojeriza a esse tipo de Estado, estamos e continuamos horrorizados com tudo isso.

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* Otaviano Helene é professor do Instituto de Física da USP, foi presidente da Adusp e do Inep/MEC; Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professora aposentada de Física da USP, foi vice-presidente da Regional São Paulo do Andes, e diretora de sua Seção Sindical na USP (Adusp).

A ilustração da matéria é o quadro "Criança Morta", de Portinari.



quarta-feira, 6 de abril de 2011

MUITO DINHEIRO EM BELO MONTE


É muito dinheiro envolvido na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Dinheiro que daria para diminuir em muito a desigualdade social no Brasil, se esta fosse a intenção. Mas um país capitalista não se importa com a desigualdade social. O capitalismo vive da desigualdade. Se houvesse igualdade não seria capitalismo.

     É necessário que haja divisão de classes, ou não será capitalismo. E divisão de classes implica em pobreza, muita pobreza, classe média (também dividida em estamentos) e a classe “alta”, que inclui a classe média alta, pequeno-burguesia e burguesia. O capitalismo, criado pela burguesia para servir unicamente aos seus objetivos é um sistema baseado na teoria do predador: quem pode mais chora menos.

     E quem pode mais são sempre as classes altas, pela simples razão de que são elas que acumulam a maior parte do capital em detrimento da maioria.

     Vivemos em um país capitalista, ainda em estágio de capitalismo selvagem, com grandes bolsões de pobreza e pequenos grupos que detém toda a riqueza. Riqueza gerada pelo latifúndio, unicamente para os latifundiários e pelas grandes empresas, unicamente para os grandes empresários. E o governo, antro de todas as corrupções, é o grande administrador dessa grande desigualdade social.

     O que fazem os capitalistas? Procuram sempre maneiras de ganhar mais e mais dinheiro, doa em quem doer. Para eles, não interessa quem vai sofrer como conseqüência da sua desenfreada ganância; se estarão colocando em risco a natureza e o futuro das próximas gerações e até do planeta... Nada disso. Eles querem é se sentir poderosos, como o Tio Patinhas, ganhar um milhão por dia, no mínimo. E quando se trata de bilhões ou trilhões, os olhos deles brilham muito.

     A usina hidrelétrica de Belo Monte, que está sendo construída no Pará e destruirá o Xingu, desalojará milhares de pessoas e matará flora e fauna de toda aquela extensa região, provocando, posteriormente, um impacto ambiental incalculável, está orçada, inicialmente, em R$14,5 bilhões. Inicialmente. E, inicialmente, esse bolo todo já está sendo dividido entre empresas e empresários.

     A sociedade tem 18 sócios, entre empreiteiras, estatais e fundos de pensão. Juntos, formam a Norte Energia, que vai contratar onze empreiteiras para tocar a obra, estimada em R$ 14,5 bilhões. A maior parte da bolada foi dividida entre Andrade Gutierrez, Odebrecht e Camargo Corrêa, que terão metade da encomenda. A outra metade ficou com oito empresas menores.

     A OAS levará dez bilhões, a Andrade Gutierrez, 18 bilhões; dez bilhões ganharão também a Queiroz Galvão, Galvão Engenharia, CONTERN e outras. Camargo Corrêa e Odebrecht receberão, cada uma, 16 bilhões de reais. Detalhe interessante: a CONTERN, construtora do grupo BERTIN, nunca atuou na construção de hidrelétricas, mas um dos seus empresários, o pecuarista José Carlos Bumlai, é muito amigo do ex-presidente Lula. Em grandes negócios, as boas amizades são muito importantes.

     É muito dinheiro dividido entre poucos, como é hábito no capitalismo.

     E o governo ganha o que? No capitalismo, o governo é sempre um governo para as empresas – embora minta para o povo ao dizer que é um governo do povo. E é remunerado pelas empresas; uma remuneração que pode ser apenas um "muito obrigado". Mas, quem sabe, tem mais que isso... Assim como um agente de jogador de futebol, que ganha do jogador a sua percentagem.

     Entenda-se por governo os três Poderes. O projeto de lei foi para a Câmara; transformou-se em lei que foi aprovada. Foi para o Senado e foi aprovada. Quando alguém do Ministério Público Federal, atendendo as justas reivindicações do povo do Xingu, que será imensamente prejudicado com a construção da hidrelétrica, entra com uma liminar para suspender as obras de Belo Monte, logo vem um juiz federal que cassa a liminar. Os três Poderes agem em harmonia para o bem das empresas – jamais para o bem do povo.

     Não se pode acreditar que um país que tem um dos maiores índices de desigualdade humana (IDH) do mundo e a maior carga tributária do mundo tenha, também, um governo que se preocupa com o povo. Obviamente não. Por mais que o governo diga que vai fazer e acontecer pelos pobres, obras como a de Belo Monte - que somente irá beneficiar a alguns poucos muito ricos - desmentem essa suposta boa intenção do governo.

     Principalmente ao se saber que é uma obra predatória, de devastação, que tem por origem a destruição e a selvageria. Um governo que faz uma obra dessas não só não se preocupa com povo como, também, é um governo hipócrita.

     Tão hipócrita, que quando a Organização dos Estados Americanos (OEA), em nome da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), enviou carta ao governo brasileiro solicitando a suspensão imediata do processo de licenciamento da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, o governo brasileiro mostrou-se indignado. A Câmara Federal mostrou-se indignada. O Senado mostrou-se indignado. Dizem que está tudo perfeito em Belo Monte, quando todos sabem que mentem.

     O mundo inteiro agora está sabendo dessa deslavada mentira chamada Belo Monte, que somente servirá para aumentar a riqueza de alguns poucos amigos dos governantes. Quem está muito, mas muito indignado é o povo do Xingu, que protesta diariamente contra o monstrengo que desmascara um governo que se veste de povo somente em época de eleições.

     Indignação não falta. O Brasil inteiro está indignado contra essa demonstração de vileza e covardia que é a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Vileza contra a flora e a fauna da região; covardia contra os povos indígenas que terão as suas vidas destruídas.

     Agindo ainda com maior hipocrisia, no mesmo dia em que a OEA pediu a paralisação das obras de Belo Monte, o governo das empreiteiras e das grandes empresas, através da sua Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), declarou de utilidade pública 3.536 hectares no município de Vitória do Xingu, no Pará. A área será desapropriada para uso da empresa Norte Energia S.A, que vai implantar a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Serão instalados no local o reservatório da usina, uma área de preservação ambiental, o canteiro de obras e a estrutura permanente da hidrelétrica.

     A OEA requer também que seja impedida a execução de qualquer obra até que sejam cumpridos vários requisitos. Entre eles, a obrigação de realização de processos de consulta, de acordo com a Convenção Americana de Direitos Humanos e a jurisprudência do sistema americano, com o objetivo de se chegar a um acordo em relação aos pleitos das comunidades indígenas que vivem na região onde será erguido o empreendimento.

     Outro pleito é a disponibilização dos estudos de impacto ambiental aos índios, e a adoção de medidas "vigorosas e abrangentes" para proteger a vida e a integridade pessoal dos membros dos povos indígenas e para prevenir a disseminação de epidemias e doenças. A entidade também solicitou que o governo apresente as informações sobre o cumprimento das medidas adotadas no prazo de 15 dias. O documento, datado de 1º de abril, é assinado pelo secretário executivo Santiago Canton.

     Mas o Executivo e o Congresso ficaram indignados com esses pedidos da OEA. No mesmo dia, foi reinaugurada, no Senado Federal, a Subcomissão que tinha sido instalada em 12/05/2010 para fiscalizar as obras de Belo Monte. O objetivo é claro: dizer que tudo está indo muito bem.

     O presidente dessa subcomissão é o senador Flexa Ribeiro, do PSDB. De acordo com o movimento XINGU VIVO PARA SEMPRE, Flexa Ribeiro é um “ficha suja”, assim como muitos da Subcomissão. Vejam só a ficha do nobre senador:

• Investigado pela Polícia Federal em 2009 na Operação Castelo de Areia, que atingiu a direção da empreiteira Camargo Corrêa, por crimes de remessa ilegal de dólares, superfaturamento de obras públicas e doações ilegais para partidos políticos. Flexa Ribeiro recebeu doação de R$ 200 mil da empreiteira.

• Ainda em 2009, o Ministério Público instaurou procedimento administrativo para apurar a legalidade da construção de um prédio luxuoso na orla de Belém pelo grupo empresarial ligado ao senador.

• Em 2006, foi processado por irregularidades em contrato de R$ 20 mi entre sua construtora e o governo do Pará.

• Em 2005, a empresa Engeplan Engenharia do senador foi acusada de fraudar o INSS. De acordo com a Operação Caronte da PF no Pará, a empresa estava diretamente envolvida com a quadrilha presa por fraudar certidões negativas de débitos da Previdência Social.

• Em 2004, foi acusado pela PF de comandar o esquema investigado na Operação Pororoca, sobre fraudes em licitações no Amapá. Segundo a PF, pelo menos 17 obras haviam sido fraudadas no estado entre 2002 e 2004. O valor total dos desvios foi de R$ 103 milhões. O senador é dono da Engeplan Engenharia e, segundo a PF, entrava nas licitações para dar ”aparência de legalidade” à concorrência fraudulenta. Em 2004, Flexa Ribeiro foi preso em Belém.

     E é um senador da República, presidente da Subcomissão que fiscaliza as obras de Belo Monte.

     Na hora do dinheiro, os partidos se unem, acaba a farsa de “oposição” e “situação”. Todos tem os mesmos interesses; ou o mesmo interesse: enriquecer. E Belo Monte será uma bela fonte de dinheiro. De muito dinheiro.

     Se o governo brasileiro desrespeitar a OEA será punido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Isto, porque a determinação da OEA em exigir do governo brasileiro a imediata paralisação das obras de Belo Monte está respaldada na Convenção Americana de Direitos Humanos, na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), na Declaração da ONU sobre Direitos Indígenas, na Convenção sobre Biodiversidade (CBD) e na própria Constituição Federal brasileira (Artigo 231).

     Mas o governo já está ficando acostumado com as punições da OEA e não liga para isso. Em 15/12/2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) obrigou o Brasil, no prazo de um ano, a investigar e, se for o caso, “punir graves violações de direitos humanos”.

     O Estado brasileiro foi considerado culpado pelo desaparecimento forçado de pelo menos 70 pessoas, entre os anos de 1972 e 1974, por não ter realizado uma investigação penal com a finalidade de julgar e punir os responsáveis. Além de ser obrigado a investigar o caso, o Brasil deve também realizar um ato público de reconhecimento de sua responsabilidade e publicar toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia e as violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar, especificou a sentença.

     O ano está correndo e o Estado brasileiro nada fez a respeito, até agora. A não ser condecorar militares. Quanto a Belo Monte, é mais um triste e revelador exemplo de que a ditadura não acabou.

terça-feira, 5 de abril de 2011

OS CAMINHOS DO BRASIL


A presidente Dilma disse, em cerimônia de condecoração a militares no Palácio do Planalto, que o “Brasil corrigiu os seus caminhos”. Acrescentou que as Forças Armadas são muito necessárias e afirmou que “as riquezas do pré-sal, descobertas nas profundezas do Atlântico, que impõem um estágio para as forças de defesa, a garantia efetiva da soberania nacional pela proteção das nossas fronteiras, tanto no oceano como também na Amazônia, se transformaram na prioridade da nossa estratégia de defesa” – segundo a agência Reuters. Na mesma ocasião, a presidente não quis dar entrevista aos jornalistas presentes.

     “Um país que conta, como o Brasil, com Forças Armadas caracterizadas pelo estrito apego as suas obrigações constitucionais é um país que corrigiu seus próprios caminhos e alcançou um elevado nível de maturidade institucional” – falou Dilma, satisfeita com a medalha que também tinha recebido dos militares, pelos inúmeros serviços prestados às Forças Armadas.

     Só não explicou o que significa “corrigir os seus caminhos”, no que se refere ao Brasil. Não explicou porque a imprensa foi proibida de ouvi-la. Percebe-se que ela não está a par do que realmente está acontecendo nas Forças Armadas, que defendem a ditadura militar que se instalou no Brasil em 1964. Ou sabe de tudo e concorda com tudo.

     Convém lembrar que no final de março os três clubes militares (Exército, Marinha e Aeronáutica) lançaram um manifesto comemorando os 47 anos do golpe de 1º de abril de 1964. Para eles - os militares - é como se a ditadura ainda não tivesse acabado. O que houve foi apenas uma retirada estratégica dos militares para os quartéis, deixando que os civis votassem, mas sob o controle das Forças Armadas.

     No mesmo manifesto dos clubes militares, eles dizem que “(...) os integrantes das Forças Armadas da época que, com sua pronta ação, impediram a tomada do poder e sua entrega a um regime ditatorial indesejado pela nação brasileira (...)”. E comemoraram isso.

     Talvez Dilma entenda – em harmonia com os militares das três armas – que corrigir os caminhos do Brasil signifique exatamente aquilo que está no manifesto. Que, na época, em 1964, os militares agiram bem quando tomaram o poder, porque o Brasil se encaminhava “para um regime ditatorial indesejado pela nação brasileira”. Ocorre que o Brasil que foi golpeado em 1964 tinha um governo constitucional e democrático desejado pela nação brasileira. Com o golpe de estado é que se instalou a ditadura.

     Todos, ou quase todos, sabem que o golpe militar de ’64 foi arquitetado por Washington, através da “Operação Brother Sam”, que previa, inclusive, a invasão do Brasil pelos Estados Unidos no caso de forte resistência do governo constitucional. Os militares brasileiros que acreditavam – e parece que ainda acreditam – que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, foram utilizados como marionetes. Instigar e produzir ditaduras na América Latina era parte da política internacional dos Estados Unidos, na época da “guerra fria”.

     Os militares golpistas eram treinados em bases dos Estados Unidos e passavam a acreditar que eram os donos dos seus países – pela simples razão de que tem o poder bélico e, por esta razão, podem tirar e fabricar governantes à vontade. Militares são ensinados a não pensar, somente obedecer. E os militares brasileiros não pensam e obedecem aos seus senhores da América do Norte.

     Com o fim da ditadura militar nos anos ’80, grande parte do povo brasileiro passou a acreditar que era, realmente, o fim da ditadura. Não se deram conta do acordo entre as elites civis e militares para que fosse mudada a aparência do sistema. O principal inimigo tinha sido vencido: o nacionalismo, representado pelo antigo PTB que tinha tentado fazer as reformas de base, a reforma agrária e uma modificação estrutural no sistema de ensino, através do método Paulo Freire.

     Após mais de vinte anos de ditadura militar podiam ser realizadas eleições tranquilamente. O presidente João Goulart, que estava no exílio, tinha sido morto em 1976; Brizola poderia ser controlado; os demais antigos próceres do PTB poderiam ser induzidos a participar da farsa e a sigla “PTB” foi entregue, por juristas amigos, exatamente para os inimigos do antigo PTB.

     Além disso, surgia uma nova geração que poderia ser manipulada facilmente pela mídia do sistema - conforme aconteceu - passando a adorar o deus Mercado e a aceitar as novas regras que a tornavam cúmplice ou alienada.

     O PT, que parecia, em seu início, ser um partido de esquerda, ao dividir-se em várias facções facilitou a tomada do poder, dentro do partido, pela facção mais numerosa, que se autodenomina “Articulação de Esquerda” e que, aos poucos, mostrou-se muito amiga do sistema – e Lula aparecia como um demagogo sem idéias ou ideologia que poderia ser manipulado à vontade.

     Tudo arquitetado, foi reiniciada a “democracia” sob um novo prisma. O PT cada vez mais de direita – contrabalançando a extrema direita dos demais partidos; o PDT de Brizola perdendo a força a cada eleição e cedendo em todos os pontos para continuar a subsistir e o povo elegendo, seguidamente, pessoas ligadas ao sistema, induzido pela mídia das grandes redes de televisão, que se transformavam no principal fator de sustentação do regime.

     Os militares, nas casernas, riam e os Estados Unidos mostrava-se satisfeito com o andamento da democracia brasileira. Tudo de acordo com os planos pré-traçados.

     Quando foi a vez do Lula assumir o poder, ele se declarou um “Lulinha paz e amor” e fez um governo voltado para as multinacionais, os latifundiários e os grandes empresários, sem nunca esquecer de pajear os militares. Dentro do PT, formava-se uma nova geração de desejosos do poder pelo poder que se aliava às antigas oligarquias, mas as suplantava em esperteza e capacidade de corrupção.

     O povo manipulado pela mídia, amordaçado pelos sindicatos aliados do governo e recebendo mesadas, aprendeu a discutir somente futebol e novelas, acreditando que estava sendo governado por um governo de esquerda sem saber o que é esquerda e aceitando passivamente o seu destino.

     E os militares, nas casernas, rindo.

     Quando o poder foi passado para Dilma, através daquela estranha máquina eletrônica que chamam de urna eleitoral, Lula já tinha feito um acordo militar com os Estados Unidos e o Brasil novamente transformava-se em vassalo e entregava a sua soberania às multinacionais do país aliado; entregava a sua dignidade à vontade do país aliado e fazia as vontades dos militares aliados do país aliado.

     Dilma apenas continuou a cumprir a agenda. Submissa e de cabeça baixa. Foi torturada durante a ditadura militar – segundo ela – e talvez saiba que não convém dizer não aos torturadores.

     No final de março, os militares das três armas lançaram aquele manifesto que elogia a ditadura militar e a considera ainda existente, porque é um manifesto que comemora os 47 anos do golpe – desde 1º de abril de 1964.

     Dilma nada fez a respeito. Ao contrário: condecorou vários militares e foi condecorada pelos militares - e disse que o Brasil, agora sim, está no rumo certo, e que deve dar o maior apoio às Forças Armadas, “para que cumpram a sua função constitucional”.

     Justamente as Forças Armadas que rasgaram a Constituição vigente naquele abril de 1964 e estarão dispostas a repetir o feito, caso alguém ou alguma coisa se interponha nos caminhos que elas estão ditando para o Brasil.

quinta-feira, 31 de março de 2011

O DIA DOS BOBOS NA VERSÃO DOS LOBOS



É uma mentira que o dia 1º de abril é o Dia da Mentira ou Dia dos Bobos. É esta a intenção dos Lobos - que os Bons acreditem que somente durante um dia são bobos, e que ser bobos significa dizer mentiras durante um dia no ano. Mentiras agradáveis, mentiras saudáveis, mentiras digestivas – e as mentiras digestivas são as preferidas pelos Lobos.

     Os Lobos, como todos sabem, são maus. Estão sempre com as garras e os dentes afiados, prontos para agarrar e morder o que aparecer. Quanto aos Bons, são bobos, porque acreditam em tudo que os Lobos dizem e acreditam, principalmente, que os Lobos um dia ficarão bons, que a maldade deles é passageira e que poderão ser convertidos – mesmo que com algum esforço e sacrifício – à bondade de bobos, algum dia.

     No entanto, apesar de todos os esforços, os Lobos continuam Lobos, ordinariamente Lobos, esfomeadamente Lobos. Nunca perdem o apetite de Lobos, com aquelas garras de Lobos e aquela carranca de Lobos, que muito assusta.

     É tanto o medo que os Bons tem dos Lobos, que se negam a deixar crescer as garras e a afiar os dentes e a enfrentá-los, porque são bons.

     E a lenda a respeito dos Bons – e por isso são confundidos com Bobos – é que devem ser sempre calmos, passivos, obedientes e submissos, com aquele eterno sorriso beatífico no rosto, aceitando tudo o que os Lobos quiserem, não por medo, mas por saberem que os Lobos agem de maneira maléfica porque são maus.

     Mas é lenda e está em processo de revisão. Gerações de Bons acreditaram que ser Bons e Bobos era o caminho do Bem, que os levaria ao Céu e aos braços de Deus.

     Alguns das novas gerações, que são olhados como lobos em pele de bons pelos mais velhos, acreditam que essa lenda foi criada pelos Lobos, com o objetivo de tornar os Bons mansos e pacíficos, até mesmo Bobos, o que facilitaria as más intenções dos Lobos maus, que podem, assim, praticar todo o tipo de maldades sem que os Bons se rebelem, com medo de perder a sua bondade. E por isso se tornam bobos.

     Bobos, porque são explorados, ludibriados, tratados como otários, roubados descaradamente e acabam tendo uma vida miserável, alienada, esfomeada e sacrificada até o último pingo de sangue – enquanto os Lobos engordam, passeiam, enriquecem e tripudiam à vontade sobre os Bobos, que pensam que são Bons, em sua escravidão mental.

     Esta mesma teoria diz que foram os Lobos que criaram as religiões, para amansar completamente os Bons e deixá-los mais completamente bobos; os partidos políticos, para que os Bons acreditem no caminho pacífico, embora corrupto, das eleições. E criaram a rede Globo-bo – para que os Bons se divirtam bobamente, de vez em quando, assistindo novelas e futebol.

     E o Dia dos Bobos que, na verdade, é dos Lobos, é um grande Dia da Mentira.

     Ou tudo isso será mentira?

     Há outra versão, a versão dos Lobos, e devemos ser imparciais se quisermos chegar à verdade desta escatológica questão.

     Pois os Lobos dizem que os Bons existem apenas para a sua voracidade devido à determinação de um deus muito antigo, que eles designam apenas por quatro consoantes, porque todos sabem que os Lobos não usam vogais na sua escrita de Lobos.

     Essas letras são DMRG, que significaria “Deus da Morte Roedor de Garras” - o que não parece muito lógico, porque “Roedor” está mais para ratos do que para Lobos. Mas alguns exigentes exegetas acreditam que as quatro consoantes que designam o deus dos Lobos significam “Destruir, Matar, Rugir, Ganhar”.

     Os Lobos não esclarecem esse ponto, mas acrescentam que o seu deus é um deus amoral, está acima do Bem e do Mal e diz que o mundo é dos espertos, que devem se tornar poderosos e fortes para desfrutar de tudo, sem medo de destruir, matar ou rugir, porque a vida está aí para aquele que chegar primeiro e que os Bons são bobos em acreditar na bondade e no Bem.

     Dizem que o seu deus é pré-pagão e pós-cristão e que foi Ele que deu aos Lobos a força oculta para dominar a Terra e tudo o que puderem do Universo, fazendo dos Lobos a raça escolhida, a única com capacidade lupina suficiente para destruir, matar e rugir com o objetivo de sempre ganhar; uma raça que deve desdenhar as demais raças, que são inferiores e não tem um focinho como o da raça dos Lobos.

     Assim, para os Lobos, mentiras, corrupção, assassinatos, guerras e tudo o que é considerado, comumente, como atos de grande malignidade, não passam de expressões naturais da sua vontade de vencer e dominar sempre. Não se arrependem de nada do que fazem porque não entendem o que seja arrepender-se. Acreditam que agir como Lobos é tão natural, que se os Bons são destruídos e mortos pelos Lobos a culpa é dos Bons.

     Mas como os Bons são a imensa maioria e querem ser enganados pelos Lobos – segundo os Lobos – os Lobos inventaram diversos expedientes para que os Bons caíssem em suas armadilhas e nunca se rebelassem – porque uma grande rebelião dos Bons poderia ser fatal para os Lobos.

     Perceberam que os Bons são guiados por valores morais e a eles se apegam como se fossem Lobos. Então, criaram alguns desses valores, conhecidos atualmente como Fraternidade, Igualdade e Humanidade, e os jogaram aos Bons como sendo verdades incontestes que devem ser seguidas por todos os verdadeiros Bons. E manipulam essas “verdades”.

     Quando querem fazer uma guerra, dizem que é em nome da “Humanidade” ou da “Liberdade”. E os Bons acreditam – provavelmente por reflexo condicionado ou porque os Lobos tem aqueles olhos hipnóticos e aquela voz profunda -, mesmo que a guerra seja contra os próprios Bons. Acreditam e se dão por satisfeitos, ainda que sejam destruídos, usurpados ou devorados pelos Lobos.

     No entanto, se alguns dos Bons mais espertos tentam se rebelar, os Lobos mostram a eles algum documento assinado por grandes chefes de países que detém o poder da total destruição – ao mais das vezes chefes Lobos em pele de Bons ou Bons cooptados por Lobos – que autoriza a guerra ou a opressão ou o que seja de maligno que os Lobos estiverem planejando. E os Bons acabam aceitando, porque adoram documentos oficiais e palavras pomposas.

     E assim os Lobos vão construindo o seu império predador e fazendo os Bons de bobos sempre que surge uma oportunidade de maiores ganhos.

     A versão dos Lobos para o Dia dos Bobos é que é necessário dar aos Bons um dia em que eles pensem que são mais espertos, fazendo piadas e brincadeiras uns com os outros e fingindo a felicidade que gostariam de ter. Bobamente.

     Eu estava terminando esta matéria, depois de extensa pesquisa entre Bons e Lobos, quando encontrei um Ser Etéreo. Ser Etéreo, como todos sabem é, antes de tudo, um ser que se alimenta basicamente de éter. Éter e uma dieta vegetariana. Alguns até engordam com essa dieta, mas continuam etéreos.

     Vinha quase flutuando pela rua, quando me encontrou, viu que eu trazia comigo alguns papéis e pediu para dar uma olhada. Seres etéreos adoram ler, seja o que for. Leu, releu, olhou para mim e disse:

     - Mas que bobagem!
     - Por que?
     - Porque você está dividindo o mundo entre bons e maus, malvados e bonzinhos, certos e errados e isso é maniqueísmo puro!
     - Mas é fruto de extensa pesquisa de campo... Cheguei a essas conclusões depois de exaustivas entrevistas... Corri perigo entre os Lobos...
     - Mas é maniqueísta e todos sabem que o maniqueísmo está errado. Errado e fora de moda.
     - Mas e se foram os Lobos que inventaram que o maniqueísmo está fora de moda? E você tem certeza de que é errado?
     - Claro. Se está fora de moda tem que ser errado, que dúvida!
     - Mas então, como você explica...
     - Eu não explico, detesto explicações. Estou acima de tudo isso, porque vivo etereamente, sou um artista e a arte é a salvação, a redenção a...
     - Péraí! Salvação? Redenção? Salvação de que? Do pecado original?
     - Foi só uma força de expressão. Eu quis dizer que viver de uma maneira artística e etérea, como eu vivo, não implica em divisões, mas em congraçamento, união, interação com o Uno, com o Todo...
     - Até concordo com você, mas e as pessoas que estão sendo mortas injustamente na Faixa de Gaza? E todos os milhões de oprimidos e esfomeados deste mundo? E os assassinatos, as injustiças, as guerras, as depravações?
     - Simples: é karma. Em outra vida serão mais felizes...
     - Mas estamos vivendo agora. O presente é muito importante; você não pode fingir que não está aqui e que nada do que falei está acontecendo.
     - Tudo é importante e nada é importante: esta é a grande Lei!
     - Perdão, não entendi...
     - Não se preocupe, um dia você entenderá, mesmo que em outra vida.

     E saiu planando, antes que eu perguntasse o que achava do Dia dos Bobos. Mas talvez ele se sentisse ofendido se eu fizesse aquela pergunta – sabe-se lá!

terça-feira, 29 de março de 2011

DEVERIAM SER PRESOS


Deveriam ser presos. Se realmente estamos em uma democracia e um grupo de militares defende a ditadura e o golpe de 1964, deveriam ser presos. Nada mais lógico.

     Mas nada acontecerá com eles, porque o governo petista lhes deu tanto poder e tergiversou em relação à aplicação do Plano Nacional de Direitos Humanos – 3, que prevê (previa?) que os torturadores e assassinos militares fossem presos e julgados, que agora este governo encontra-se novamente nas mãos dos militares.

     Ainda não completamente. Eles ainda não tomaram o poder, mas o cercaram, foram se infiltrando aos poucos, pedindo isto, pedindo aquilo, e tudo lhes é dado.

     Por medo. Este é um governo medroso, que se tornou vil e sem personalidade, apoiado por partidos que se tornaram entreguistas – como o PT e o PMDB – e que nada mais querem a não ser usufruir do muito dinheiro a que tem acesso através dos ministérios e de outros meios, como a corrupção desenfreada.

     Tudo é dado aos militares. Participaram da invasão do Haiti, quando o povo daquele país ameaçou iniciar uma guerra de guerrilhas contra a fome e a miséria. Lá, foram novamente doutrinados pelos militares estadunidenses, principalmente quando aquele país tomou o poder de fato no Haiti.

     Pediram armamentos. Foram-lhes comprados trezentos tanques de guerra; estão sendo comprados aviões-caça e armas modernas; os efetivos do Exército, Marinha e Aeronáutica estão sendo refeitos de acordo com o modelo dos comandos norte-americanos.

     Foi-lhes entregue o comando do tráfego aéreo nacional. Colocaram como Ministro da Defesa um reacionário de extrema direita, que atua junto da presidente Dilma em todas as decisões. Convenceram o Lula a fazer um acordo militar com os Estados Unidos. Convenceram a Dilma a nada fazer contra os torturadores militares – justamente ela, que diz que foi torturada por eles – e perceberam que o poder é quase todo deles. Tudo o que eles disserem é lei; tudo o que quiserem é aceito.

     Agora, convencidos disso, lançam um manifesto – através dos três clubes militares – exaltando as virtudes do que eles apelidaram de “Revolução de 1964”.

     Diz o manifesto, assinado pelo general Renato César Tibau da Costa, pelo vice-almirante Ricardo Antônio da Veiga Cabral e pelo tenente brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista.: “sem ódio ou rancor, é, no mínimo, uma obrigação de honra". "Os clubes militares (...) homenageiam, nesta data, os integrantes das Forças Armadas da época que, com sua pronta ação, impediram a tomada do poder e sua entrega a um regime ditatorial indesejado pela nação brasileira". Entre outras coisas.

     O que significa um manifesto como este, justamente quando o povo começa a acreditar que vive em uma democracia?

     Que as Forças Armadas prosseguem no seu processo de elitização; que o governo é apenas um apêndice, uma excrescência a ser tolerada, desde que se comporte bem e continue obedecendo as suas ordens; que os militares nada temem e que poderão tomar o poder novamente, se assim desejarem.

     São o governo dentro do governo; o poder dentro do poder. E o poder armado, belicista, que tudo controla e a todos influencia através da sua mídia manipulada e manipuladora.

     E isto graças ao PT de um Lulinha paz e amor, que aceitou as regras do jogo neoliberal e de uma Dilma amorfa, dominada por empresários e latifundiários, com medo de tudo. Principalmente, com medo de ser governo de verdade.

     Deveriam ser presos, mas qual a polícia que prende a polícia? Presos por conspiração ou por incentivar a subversão ou por defenderem a ditadura militar – ou por tudo isso junto. Mas este é um governo frouxo, submisso, demagogo e que tem muito medo dos militares.

     O mais curioso e que talvez não seja mera coincidência: logo após a visita do Obama ao Brasil... O que veio Obama fazer aqui, de verdade?

     Só para lembrar as novas gerações, o golpe de estado de 1º de abril somente aconteceu porque a IV Frota dos Estados Unidos estava em prontidão, nas costas brasileiras, esperando apenas um chamado, caso houvesse uma resistência armada mais forte do Presidente João Goulart. Mas Goulart fugiu para o Uruguai – diz o seu filho que justamente para evitar essa invasão dos Estados Unidos, que provocaria uma guerra civil e acabaria dividindo o território nacional.

     Por isso foi tão fácil aquele golpe armado. Um verdadeiro passeio. Depois, vieram as prisões e torturas. E os Atos Institucionais. E o fim do Congresso Nacional. E o fim dos direitos civis. E as perseguições sem fim.

     Até que, em 1985, para evitar maior desgaste da imagem dos militares combinaram com as elites civis a passagem pacífica para a democracia. Já tinham conseguido reconstruir o Brasil à sua maneira e agora que os civis continuassem o trabalho. Os seus civis. Os meios de comunicação já tinham sido todos comprados, formara-se uma intelectualidade passiva e que se organizassem novos partidos, desde que fossem aprovados por eles, os militares.

     Então, fizeram-se passeatas e showmícios para que parecesse aos olhos do mundo e aos olhos do nosso povo que ele, o povo, exigia a saída dos militares. Tudo muito articulado e planejado. Ou vocês acham que uma ditadura aceita passivamente a organização de passeatas e showmícios?

     Tinha que ser criada a lenda do fim do militarismo no Brasil, e a lenda foi criada. Depois, colocaram os presidentes que quiseram, a começar pelo Sarney.

     E hoje, depois que o governo petista conseguiu a façanha de liquidar com os movimentos populares, de transformar-se de herói em traidor, de mocinho em vilão, de bravo em covarde, os militares ficaram à vontade para lançarem manifestos elogiando a sua própria covardia naquele abril de 1964, a sua própria vilania contra o povo brasileiro e a sua própria traição à pátria.
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