sábado, 9 de abril de 2011

CONTINUAMOS HORRORIZADOS


Todos nós estamos horrorizados com o massacre das crianças em uma escola de Realengo, no Rio de Janeiro. Horrorizados com a facilidade com que o assassino urdiu e executou o seu plano. Foi muito fácil. Simplesmente pegou dois revólveres, carregou-os, encheu os bolsos com munição, foi até a escola, passou pela secretaria e pediu o seu histórico escolar, entrou em uma das salas de aula e começou a atirar.

     Recarregou as armas, entrou em outra sala de aula e continuou atirando. Subiu ao primeiro andar e repetiu o ritual. E continuaria a fazer o mesmo em toda a escola, se não fosse um dos alunos chamar a policia, que estava a dois quarteirões dali.

     Detalhe interessante: quando ainda estava na rua, atirou em dois alunos que saíam da escola. Foram os primeiros. Depois é que entrou na escola e deu continuou o massacre. E nada. Nada, nenhum segurança, nenhum alarme de segurança, nenhuma câmera de vigilância. Nada. E foi no Rio de Janeiro, a cidade mais rica do estado mais rico do país. Não há desculpa para a negligência do Estado. Talvez porque se trate de um estabelecimento de ensino e educação não é prioridade no Brasil.

     A educação é um caos neste país. Todos sabem disso. É um sistema de ensino falido e estropiado desde os tempos da ditadura militar; e mais estropiado ainda com os últimos governos. Um caos completo. O Brasil investe, em média, cerca de 3,2% do PIB (Produto Interno Bruto) na Educação.

     De acordo com a jornalista Lisandra Paraguassu, um exame da UNESCO revelou que o Brasil tem um ensino de péssima qualidade, se comparado com os demais países da América Latina:

     (…)

     “O estudo mostra que, com algumas raras exceções, o Brasil partilha da mesma sina de má qualidade educacional dos demais países latino-americanos. O único que realmente foge à regra em todos os níveis estudados é Cuba, em que a maioria dos estudantes, em ambas as séries e em todas as disciplinas, aparece no nível mais alto de aprendizagem. Alguns, como Chile e Costa Rica, México e Uruguai, têm situações melhores do que a brasileira, mas ainda têm muitos alunos nos níveis mais baixos de aprendizagem.”

     Professores sem estímulo, alunos sem vontade, drogas sendo vendidas dentro das escolas, grande parte do dinheiro para a educação aplicado na compra de computadores e não como investimento para melhorar o ensino, currículos abaixo da crítica... Parece de propósito. E talvez seja. O desmonte da educação pública pelo Estado talvez seja de propósito para que, aos poucos, devido às muitas críticas, a rede pública de ensino seja privatizada.

     E assim também a segurança nas escolas. Nula. Qualquer doente mental, por razões supostamente religiosas ou por que razões sejam, pode pegar uma arma, invadir uma escola e começar a matar. O Brasil está ficando cada vez mais parecido com os Estados Unidos, também na formação e motivação de assassinos.

     AVALIAÇÃO INTERNACIONAL

     Otaviano Helene e Lighia B. Norodynski-Matsushigue* - Le Monde Diplomatique Brasil (Ed. 43, fev.2011), fazem algumas observações a respeito do atual estado da educação brasileira:

     “No universo dos 65 países que participaram da mais recente versão do PISA (um programa internacional de avaliação de estudantes), o Brasil ocupa o 53° lugar em compreensão da leitura e em Ciências e o 57° em Matemática, à frente apenas de países de muito menor expressão no cenário mundial. Quando, em 2000, ocupou o último lugar do ranking, em um conjunto de 43 países, a maioria dos atuais “últimos” não estava participando da avaliação.

     “Mas a situação educacional da população brasileira é ainda pior. O retrato revelado pelo PISA é apenas parcial, pois não inclui nem aqueles estudantes com menos do que 6 anos de escolarização formal nem os jovens que já foram excluídos da escola, o que totaliza cerca de 20% dos brasileiros de 15 anos.

     “Dos demais países que participaram do programa, em 2009, apenas três (Turquia, México e Indonésia) têm maior porcentagem de jovens fora das regras do PISA do que o Brasil. Se essa fatia de 20% de jovens desprovidos do acesso aos bens culturais fosse incluída na avaliação, nossa média despencaria.

     “Há um aspecto muito perverso em nosso sistema escolar, que tem muito a ver com um dos maiores problemas brasileiros, que é a concentração da renda e a desigualdade social. Como essa desigualdade penetra integralmente no sistema educacional, nossa população é escolarizada de forma muito desigual, tanto quantitativamente como qualitativamente, obviamente em detrimento das camadas mais desfavorecidas.

     “Essa desigualdade educacional atual contribuirá para a formação de uma população adulta muito desigual no futuro – assim como a desigualdade educacional passada foi a grande responsável pela atual desigualdade social e econômica. Assim, nosso sistema educacional contribui para fechar um círculo vicioso terrível: projetar, no futuro, as atuais situações de concentração de renda e desigualdade social.

     E mais adiante:

     “Como o perfil político dos governos (federal, estaduais e municipais), bem como a composição do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras Municipais não se alterou de forma significativa, chegamos à absurda situação de os governantes, que não cumpriram nem fizeram cumprir, em sua plenitude, nenhumas das metas dos planos educacionais por eles propostos e aprovados, agora se voltarem a propor novas metas, iguais ou muito semelhantes às que ignoraram durante os últimos dez anos.

     “Pouco será conquistado, na prática, se continuarmos a elaborar planos sem que seja definido muito claramente quem deve cumprir as metas estabelecidas, em que prazo e, também, quais as condições materiais, em especial as financeiras e orçamentárias, que deverão ser mobilizadas para isso.

     “Sobretudo, devem ser definidas punições para aqueles que deixarem de cumprir a sua parte. Repetir o que ocorreu na última década – escrever metas em algum papel – de nada adiantará. Apenas servirá para enganar a população, por mais dez anos, e uma leitura atenta do próximo PISA revelará, novamente, nossos problemas.”

     Planos de metas, política da Educação... O que mais se faz no Brasil, a respeito da Educação, é falar e escrever. Na prática, quase nada. Aqui, não se sabe nem o que é cultura. Ou melhor, dissocia-se cultura de educação. Temos um Ministério da Educação e um Ministério da Cultura. Em épocas mais sérias, era um único ministério: Educação e Cultura. Mas eram épocas mais sérias, de verdadeira preocupação com o Brasil. Agora, o que interessa é a proliferação de ministérios e secretarias para servir a todos os partidos aliados.

     ESTAMOS HORRORIZADOS

     O Brasil inteiro está horrorizado com aquele massacre. Não só pelo fato em si, como pela maneira como ocorreu. Súbito tira-se a vida de doze crianças e adolescentes e outros dez são feridos, alguns gravemente. O Estado dirá que não poderia imaginar que isso um dia pudesse ocorrer, etc. Mas é necessário esperar que aconteça para que seja feita alguma coisa para melhorar a segurança nas escolas? E será feita alguma coisa?

     Mas deveríamos, também, nos horrorizarmos com as mortes silenciosas de crianças, adolescentes, jovens e adultos, que acontecem diariamente, não só no mundo inteiro, mas por este Brasil afora. Mortes que não são midiatizadas; muitas vezes são escondidas, porque são imorais, provocadas por um sistema infame.

     12,9 milhões de crianças morrem a cada ano no Brasil antes dos 5 anos de vida, já que no nosso país cerca de 10% das pessoas mais ricas detêm quase toda a renda nacional. Quase a cada minuto morre uma criança no Brasil. Morre de fome, desnutrição, miséria, descaso. Mortes silenciosas que não ganham manchetes.

     Todos ficamos apavorados quando vemos, nos jornais televisivos, a fome e a miséria no Haiti. Mas aqui não é diferente. Não podemos continuar vivendo de cartões-postais, de auto-ilusões. A miséria no Brasil é grotesca, principalmente se levarmos em conta de que o Brasil é a quinta economia mundial.

     Recente estudo da Fundação Getúlio Vargas, relata, com otimismo, que o Plano Real diminuiu a proporção de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza de 35,3% para 28,8% e atualmente existem 42 milhões de miseráveis em nosso país. A maneira como são colocados esses detalhes é obviamente ufanista.

     Mas 42 milhões de miseráveis no Brasil são 42 milhões de miseráveis no Brasil. São 42 milhões de pessoas abaixo do nível de pobreza. E quantos são os pobres?

     Que o Plano Real tenha ajudado alguma coisa, ótimo. Que as mesadas do governo, as migalhas que caem das mesas dos poderosos, também ajudem mais um pouquinho, muito bom. Mas basta raciocinar um pouco para que se perceba que isso ajuda muito pouco. Muito pouquinho.

     E são esses 42 milhões de miseráveis que estão sujeitos a todo o tipo de doenças e que morrem bem mais cedo que os dez por cento bem alimentados brasileiros. E deixam filhos morrendo de fome e vivendo de drogas pelas esquinas. Crianças que nunca irão à escola e, se conseguirem sobreviver e freqüentar uma escola, a sua capacidade intelectual estará muito aquém do esperado, devido à péssima alimentação e à péssima saúde.

     E receberão uma péssima educação, sujeita, ainda, a perigos de morte na própria sala de aula, porque o Estado somente se horroriza e chora quando as câmeras e os holofotes estão ligados.

     Mas nós, os brasileiros, que não participamos do bolo corrupto do Estado e que temos ojeriza a esse tipo de Estado, estamos e continuamos horrorizados com tudo isso.

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* Otaviano Helene é professor do Instituto de Física da USP, foi presidente da Adusp e do Inep/MEC; Lighia B. Horodynski-Matsushigue é professora aposentada de Física da USP, foi vice-presidente da Regional São Paulo do Andes, e diretora de sua Seção Sindical na USP (Adusp).

A ilustração da matéria é o quadro "Criança Morta", de Portinari.



Um comentário:

  1. Verdade pura! Trabalhei cerca de vinte anos em cargo ligado à Educação, e fiquei decepcionada com o que ocorre realmente com todo o aparato educacional no Brasil. Claro que toda regra tem exceção, e conheci pessoas de boa fé em seu trabalho diário de tentar dar seu quinhão para melhorar este quadro. Ótima matéria! Traduz muito bem, em pinceladas, nossas deficiências ligadas à todos os segmentos da sociedade.
    Lidia.

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