sábado, 11 de junho de 2011

A SUTIL CENSURA NA BLOGOSFERA


“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia.”

(Alberto Caeiro - Fernando Pessoa)


Se você for convidado para participar de um blog muito avant-garde, que promete liberdade de expressão e pensamento, mas que terá um único dono, tenha um certo cuidado. Não aceite imediatamente. Procure saber quem é a pessoa que gerencia o blog, embora seja certo que você nunca a conhecerá. Mas tente. Se perceber algo estranho, saia. Não espere que a pessoa comece a censurar os seus textos ou a impor determinadas idéias. No mundo da suposta mútua ajuda nunca se sabe quem é quem, principalmente no que apelidaram de blogosfera. Há de tudo, desde os que não sabem escrever até os que não sabem pensar.

     E pensar é muito perigoso para muita gente que viveu a ditadura e que se acostumou com censura. Alguns acabaram virando censores. Inconscientemente, talvez. Pessoas que acreditam em determinadas coisas e querem que os outros também pensem e ajam da mesma maneira.

     Podem acontecer muitas coisas em um blog compartilhado. Principalmente se o blog não for realmente compartilhado e tiver um único dono. É como uma redação de jornal em que o jornalista tem o direito de escrever o que quiser, desde que escreva em conformidade com as diretrizes políticas do jornal.

     Aceitar as idéias do outro é muito difícil, principalmente para quem viveu um período ditatorial e entrou em um período de falsa democracia – e apóia essa falsa democracia.

     É triste, mas é verdade.

     Vamos supor que você participe de um blog compartilhado onde está escrito que os autores dos textos são livres para expressar o seu pensamento. E você acredita nisso e começa a expor as suas idéias, mas não sabe que quem gerencia o blog pensa o contrário do que você pensa; que é uma pessoa vinculada ao sistema, sujeita a depressões e ataques de nervos quando você critica Belo Monte – a amada hidrelétrica da Dilma -, ou quando você critica a própria Dilma, tão amada por aquela pessoa dona do blog.

     E você vai mais fundo. Começa a mostrar as mazelas da ditadura civil, as falsidades e as hipocrisias reinantes, o que está sendo feito pelo sistema para tornar o povo apatetado e submisso. Você vai longe e publica as mentiras, as fraudes, os roubos, a corrupção. Cobra de quem se dizia democrata na época da ditadura e agora se revela como simples pelego, como os “intelectuais” que enxameiam em volta do Ministério da Cultura em busca do seu quinhão. Um Ministério da Cultura que patrocina blogs. Blogs quietos, blogs submissos, blogs disciplinados pela ordem unida do sistema.

     Vamos supor que pelo simples fato de que você sabe que vai morrer um dia e resolve ter a coragem de ser corajoso você pesquisa, descobre e publica coisas que desgostam quem gerencia o tal blog compartilhado. Mas você não sabe disso. É como uma redação de jornal, mas você conhece o chefe apenas por e-mails. Alguns dos e-mails são elogiosos, outros deixam entrever alguma preocupação.

     Um certo dia, a pessoa que gerencia o blog pergunta se você é um terrorista cibernético. E você se aterroriza, porque percebe duas coisas: 1) A pessoa não sabe o significado da palavra “terrorista”; 2) A pessoa usa o jargão do sistema.

     Você se aterroriza, mas não tanto a ponto de ficar aterrorizado. Talvez a pessoa não seja do FBI. Talvez. Ou da ABIN. A morte sempre é boa companheira quando estamos vivos e atuantes. E você continua a escrever e a publicar as suas matérias da maneira que acredita que devem ser escritas e publicadas. O terror mora ao lado, mas, se ele chegar perto você faz cara feia e ele sairá correndo. Tudo é muito simples quando não temos medo da simplicidade.

     Então, um belo dia, o blog compartilhado que tem apenas uma pessoa que administra, termina. Você quer publicar uma matéria, mas não tem mais permissão. Visita o blog e vê um recado da pessoa que administra dizendo que aquele blog está terminando naquele dia. As desculpas são as de sempre: cansaço e coisa e tal. Muito bem. As coisas que começam, inevitavelmente terminam um dia. Nada se perde: você tem o seu blog, o seu jornal virtual e pode colocar as suas matérias nesses veículos. Mas continua estranhando a súbita decisão da pessoa que gerencia o ex-blog do qual você participava.

     Passam-se os dias e então você descobre que aquela súbita decisão não foi tão súbita. Era um blog compartilhado, mas apenas três pessoas dentre os colaboradores preenchiam os requisitos que aquela pessoa dona do blog desejava para o seu blog compartilhado: nenhuma crítica ao sistema. Fora este pequeno detalhe poderá ser publicada qualquer matéria – desde que fale em cultura, arte, sexo dos anjos, cultura, arte, o bom governo que temos, cultura, arte, a bela democracia em que vivemos, cultura, arte, nenhuma matéria crítica, cultura, arte...

     E aquele blog vai ressuscitar, agora com as pessoas certas, que já passaram por um exame de seleção ideológica.

     Então, você lembra que o Ministério da Cultura existe para disciplinar a cultura. Lembra de Goebbels e seu ministério da desinformação na Alemanha nazista. Lembra que o sistema também atua na Internet, onde patrocina blogs. Blogs quietos, submissos, acima do bem e do mal, onde apenas se vê matérias alegres, musicais, que elogiam o Brasil com “Z” de zero - e não ligam se esse Brasil está morrendo aos poucos, sufocado por uma política militarizada, mas de terno e gravata, ou de vestido, morrendo pelo deserto verde provocado pela monocultura que degrada o solo, morrendo pela devastação da Amazônia, morrendo pela miséria física e cultural do seu povo, que o governo diz que vai tirar da miséria. É claro. Morrendo pela hipocrisia.

     É quando você sente um alívio e pensa: “Meu Deus, onde eu estava?!” Mas errar é humano e perdoar é divino. Ocorre que você não consegue ser muito divino e senta-se em frente ao computador e escreve: “Se você for convidado para participar de um blog muito avant-garde, que promete liberdade de expressão e pensamento, mas que terá um único dono...”

Um comentário:

  1. Ótima matéria à respeito dos Blogs compartilhados! É o Brasil e seus incitadores mostrando a cara! Não perdestes nada Blogueiro, muito pelo contrário. Deixa eles com eles! A experiência ensina, servindo de alerta à eventuais incautos. Valeu!
    Lidia.

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