sábado, 28 de janeiro de 2012

NOVA ESPERANÇA



Aqui é Vila Miséria. Não tem cinema nem shopping-centers. A água é sempre racionada, não tem canalização decente. Não tem luz de noite nas ruas. Não tem ruas, melhor dizendo, as ruas que tem foram criadas por nós mesmos, os moradores. Todos os que caem na miséria vem parar aqui, sem contar os miseráveis que já nascem miseráveis. Somos centenas.

     Moramos no Rio Grande do Sul, em Bagé, uma cidade que, vista de longe é bem iluminada à noite. E tem muitos carros. Me disseram que tem três carros por habitante. Devem gastar muita gasolina.

     O prefeito decidiu que o nome Vila Miséria é muito feio e trocou por Nova Esperança. Talvez esperando votos nas eleições. Eleições é uma boa época. Todos os candidatos nos visitam e trazem coisas. Dizem que gostam muito do povo, que tudo vai melhorar e que Deus é bom como eles.

     Natal também é um tempo esperado com ansiedade pelos moradores. Trazem cestas básicas, falam bem da gente e lembram que o Menino Jesus nasceu pobre. Coitado, até ele! Mas depois virou Deus. Nós não podemos virar Deus.

     Dizem que aqui tem 40 famílias. Não sei quem foi que andou contando, mas contou mal. Todo o dia chega mais gente. Constroem suas casas no canto que dá, com o material que acham por aí. Quando chove forte é uma devastação. Nos dias de calor é um horror! De vez e quando aparece um secretário, dizendo que vai fazer e acontecer, que conseguiu verbas pra transformar Vila Miséria numa vila de verdade. Ficamos esperando.

     O gozado é que Vila Miséria tá virando ponto turístico. Volta e meia aparece gente da cidade e a gurizada cerca os carros, com a mão estendida. Alguns dão, outros fogem correndo. Será que isso aqui é um zoológico? Até parece, porque somos tratados como bichos estranhos.

     Eu sou curiosa. Meu marido trabalha fora; não vou dizer onde, porque pode ser perigoso. Mas eu sou curiosa. Então, dia desses, apareceu outro dos visitantes com o filho na garupa da moto. Pararam em frente de casa. Me fiz de morta e fiquei observando. O pai dizia para o filho: - Olha só, tu que vive pedindo coisas sem necessidade toda hora! Olha a miséria dessa gente, olha as casas onde eles vivem, olha essas crianças magrinhas e esfomeadas e vê se aprende! O filho olhava. Daí a pouco ele disse: - Pai, mas eu tô vendo uma televisão naquela casa! O pai retrucou: -Tu não tem jeito mesmo! Vai ficar sem computador no fim de semana!

     Então, eu olhei para a minha televisão, que às vezes funciona, às vezes não, e que o meu marido trouxe não sei de onde e pensei “Coitado do menino que vai ficar sem computador no fim de semana. Tudo por causa dessa televisão”.

     Lembrei daquela vez em que apareceram duas mulheres distintas, bem arrumadas, falando com todo mundo, dando coisas e prometendo loisas. Parece que uma delas era candidata a vereadora. Não sei se foi eleita. Nunca mais apareceu. Quando estavam indo embora, ouvi a outra dizer pra candidata: - Por que tu me trouxeste aqui? Que pobreza! Já é uma pobreza falar em pobre e em pobreza, quanto mais ver!...

     O homem da moto já tinha ido embora, com o filho agarrado na cintura. Saí, recolhi a roupa e chamei as crianças. Era dia de mingau. Vieram correndo. Já estava anoitecendo e de noite até cobra aparece. Um perigo!

     Aqui é Vila Miséria, que agora querem chamar de Nova Esperança. Se quiser nos visitar, traga alguma coisa. Estamos esperando.

2 comentários:

  1. Só conheço a "Vila Miséria" de minha cidade, através de meu companheiro e seus comentários acerca da extrema pobreza da mesma. Muito boa a matéria, com seus relatos pungentes. A desigualdade social é imensa e cruel. Não só aqui, pois sabemos de relatos semelhantes em todo país e alhures.
    Lidia.

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  2. Pois é Fausto, esses políticos são "demais", mudar o nome da Vila Miséria, para Vila Esperança é demais (sic)! Mas até tem algum simbolismo nesta estória, isto é, esperança que o povo exclua de suas intenções de votos: prefeitos e vereadores que durante todos estes anos nada ou muito pouco fizeram pelo povão.

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