sexta-feira, 3 de abril de 2015

PÁSCOA BRASILEIRA




- Pai, o que é o Coelhinho da Páscoa? 

- O Coelhinho da Páscoa era um cara que morreu de cruz e o apelido dele era Coelhinho. Na verdade, é Coelhinho do Páscoa e não da Páscoa. Tem gente que fala muito errado, filho.


- E por que ele morreu de cruz?


- É que ele gostava muito de comer chocolate e um dia se engasgou com a cruz.


- Pai, o que é cruz?


- Cruz é um brinquedinho que vem, às vezes, dentro dos ovos de Páscoa.


- E como é que a gente brinca?


- De tudo que é jeito. Dá pra brincar de pendurar pedacinhos de chocolate, atirar nos outros, chutar, jogar na irmãzinha... Só não pode é comer que dá aquele problema que matou o Coelhinho do Páscoa.


- E Páscoa, pai, o que é Páscoa?


- O Páscoa foi um grande time de futebol. Grande, bem grandão! Páscoa Futebol Clube. Tão grande que tinha estádios em todas as cidades do país. Só que chamavam os estádios do Páscoa de igrejas, em vez de arenas – olha só a ignorância desse povo!


- É mesmo, pai, que povo ignorante! E aí, pai, e aí? Conta pra mim, pai, conta!


- O Páscoa só tinha craques, filho.


- O Neymar também?


- O Neymar, o Messi, o Pelé, o Maradona, o Zico... Puro eles, filho, puro eles! Ganhavam uma fortuna!


- E o Coelhinho, pai, qual era a posição do Coelhinho?


- O Coelhinho era um centroavante alto, forte, do tipo trombador. Driblava que era uma maravilha! E também sabia brigar. Que ninguém se metesse com ele!


- E era expulso, pai?


- Como é que vão expulsar jogador rico, filho? Aonde já se viu uma coisa dessas? Mais fácil o Coelhinho expulsar o juiz. Ora, tu me sai com cada uma...


- Desculpa, pai, eu não me lembrava que rico não pode ser expulso.


- Pois é bom não esquecer, filho. Por falar nisso, como vão os estudos?


- Eu não gosto de Matemática, pai. Nem de Português, Geografia...


- E alguém aqui falou em Matemática e essas outras coisas? Isso não dá dinheiro. Quero saber como vai na escolinha de futebol.


- Agora estou aprendendo embaixadas, pai. O professor disse pra eu fazer cem embaixadinhas no fim de semana.


- Então te concentra, filho. Depois desta nossa conversa tu vai pro pátio e não faz cem, mas duzentas embaixadinhas! E deixa que eu filmo.


- Tá, pai. Mas eu queria saber mais do Coelhinho. Por que chamavam ele de Coelhinho?


- Pela velocidade. E isso é outra coisa que tu tem que desenvolver – velocidade e força dão uma grana!...


- Ele corria muito, pai?


- O Coelhinho? Corria, trombava, passava por cima dos zagueiros, derrubava o goleiro, entrava com bola e tudo.


- Que maravilha, pai! E nem recebia cartão!


- De vez em quando, quando era pra ele se poupar na outra partida, avisavam o juiz e ele dava um amarelinho pro Coelhinho.


- E o time do Páscoa ainda existe, pai?


- Acabou, filho. Uma tristeza... Ninguém sabe como, até dizem por aí que os jogadores receberam um salário extra, um dinheirão que não receberiam nem em cem anos, só pra perderem daquela maneira. Parece que tinha coisa de empresário no meio, da CBF, da FIFA, eles tinham que acabar com o Páscoa que estava monopolizando, entende? Deixar espaço pra outros times. Essas coisas acontecem... É tudo um jogo, filho, é tudo um jogo. Mas daquele jeito foi demais!


- Perdeu, pai? Mas o Neymar não jogou?


- Pois o Neymar se lesionou quase na véspera do jogo. Uma lesão feia! Não dava pra jogar, entende filho? O Pelé, o Maradona e o Zico estavam se aposentando e o Messi tinha sido negociado com o Barcelona. Mesmo assim, o Páscoa tinha um baita time! Jogadores de primeira linha, todos formados em faculdades de futebol, com mestrado e doutorado. Ninguém entendeu aquela derrota, e por goleada! Foi uma choradeira... Ainda bem que tinha o Felipense pra matar no peito. Botaram toda a culpa nele e os jogadores saíram limpinhos pra irem jogar em times da Europa, ganhando milhões.


- Quem era o Filipense, pai?


- O treinador do Páscoa. Foi com ele que o Páscoa foi penta-campeão mundial. Dá pra imaginar? Mas os outros times reclamavam muito, não dava pra ser hexa. E depois que perdeu o jogo, o Felipense, que não sabia de toda aquela trama, começou a receber e-mails da torcida enfurecida. E-mails que depois foram publicados por esses intelectuais, gente que pede esmolas, e apelidados de epístolas ao Felipense.


- O que é epístola, pai?


- É o mesmo que mensagem de texto, filho. E a torcida do Corinthians foi a que mais reclamou, tanto que surgiu outro livro intitulado epístolas dos Coríntios. E ainda outras... Tem epístolas de tudo que é jeito.


- Mas o Páscoa perdeu pra quem, pai?


- Pro Sexta-Feira Santa.


- Nunca ouvi falar em Sexta-Feira Santa, pai. Que nome estranho...


- Nem vai ouvir mais, filho. Foi um time organizado só pra aquele jogo, formado por aqueles alemães da serra, altos, fortes, que gostam de tomar cerveja e participar daquelas bandinhas. A novidade era o treinador, que não era um treinador, mas uma treinadora. Dizem que era Mãe de Santo, ou Mãe de Santa. Atendia nas sextas-feiras. Daí o nome do time.


- Ah... E quanto foi o jogo, pai?


- Sete a um, filho! Parece conta de mentiroso, não parece? E foi mesmo. Dizem que foi uma grande mentira e como os jogadores sabiam que tinham que perder, e de goleada, preferiram levar os gols logo em seguida, ainda no primeiro tempo. É o que dizem, eu não tô afirmando nada.


- E o Coelhinho jogou, pai?


- Teve que jogar por obrigação do contrato. Não escapou, não deu pra fingir lesão ou coisa assim, entende filho? E, por sinal, fez um golaço, o gol de honra do Páscoa.


- Pai, só outra coisa: e esse tal de Jesus, que falam tanto?


- Jesus era o goleiro. Jesus Cristo era o nome completo. Como sofreu!... Levar sete gols só numa partida não é brincadeira, filho. Tanto, que aqueles gols foram apelidados de as sete chagas de Cristo. E o Coelhinho, que não sabia de nada, ou tinha recebido muito pouco pra perder ou não gostava de entregar a partida... nem gosto de falar nisso!


- Por que, pai?


- Dizem que foi por isso que ele morreu. Ou se suicidou. De noite, chegou em casa, tomou umas e outras e comeu um ovo de chocolate inteiro, com cruz e tudo. Engasgou e deu pra bola! E por isso a gente comemora este dia comendo chocolate, em memória do Coelhinho. Agora chega de perguntas, filho. Tá na hora da tarefa das embaixadinhas.


- Posso comer um ovo antes, pai?


- Pode, mas cuidado com a cruz!

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