quinta-feira, 23 de setembro de 2010

ENQUANTO ELES BRIGAM


Enquanto eles brigam através dos jornais, revistas e canais de televisão, e fazem passeatas e discursos e escrevem manifestos e panfletos... O que faz o povo?

     Afinal, toda essa briga é para atrair a atenção do povo trabalhador, daqueles que verdadeiramente trabalham neste país – e que constroem o Brasil a cada dia, com a sua força, as suas dúvidas e inquietações e a herdada angústia de gerações de trabalhadores que acreditaram que teriam um dia, a igualdade social – mesmo que essa igualdade se realizasse em suas imaginações na forma de um terreninho para construir uma casa própria e plantar uma horta -, quem sabe, e quem sabe um mínimo de impostos para poderem sobreviver, de verdade, com o salário que seria justo, enfim, e a talvez possibilidade de poderem educar filhos sadios que teriam uma boa escolaridade e poderiam desenvolver as suas inteligências e com elas contribuírem alguma coisa para tornar mais visível em termos de igualdade social a terra onde eles gostariam de morar sem tanto desespero...

     Enquanto eles brigam, o povo quebra pedras.

     Aqueles do povo que foram sorteados com um emprego de meio salário mínimo, quebram pedras, arrumam ruas, consertam os esgotos e se conservam quietos e contidos em suas ocupações diárias, porque lhes é dito, diariamente, pelo infernal poder da televisão que todos tem – e é só o que todos que tem emprego tem – que a vida vai mudar logo após as próximas eleições.

     E fingem acreditar. Preferem acreditar que será assim, porque recebem múltiplas promessas, todos os dias, a cada hora de cada dia, dos engravatados e sorridentes cândidos candidatos e das bem arrumadas e perfumadas candidatas. E acreditam que um deles – aquele ou aquela que for eleito(a) presidente, ou presidenta desta república de todos os banqueiros e agiotas, estenderá os braços para a salvação de todos.

     Sabem no íntimo, que não será assim, mas preferem acreditar. E sabem que se não apoiarem um ou outro, com os seus votos e os seus sorrisos beatíficos de eternos subordinados, poderá ser bem pior, porque não acreditam em sua própria força e união, preferindo a compaixão da pouca miséria e das migalhas espargidas daqueles que pensam que são os escolhidos por um deus maquiavélico.

     E ainda abaixo desses que aceitam a submissão aos que tem dinheiro e poder e preferem ser ajudados, porque desconhecem a força da união, ainda abaixo deles existem aqueles milhões de desempregados, que nem meio salário tem para a sobrevivência de todos os dias e que vivem de catar lixo, entre os urubus e as fétidas fezes que unem a todos.

     Já não tem nem a força para o suicídio e sobrevivem quase que inconscientemente, em um dia-a-dia nebular, feito de escuros sonhos e poucas palavras, que se confunde com as noites que os arrastam para os cantos das calçadas, onde se cobrem de papelão e rezam para um deus muito distante pedindo para não mais acordarem.

     São os que não votam nem esperam mais nada. E a eles nada é prometido por nenhum candidato, porque já são contados como mortos que apenas entulham as ruas e calçadas e os caridosos das associações de benemerência chamam a eles de “moradores de rua”, como se eles fossem a escória da total miséria, e lhes dão o pão mofado do supremo escárnio.

     Enquanto eles brigam... Eles, os que se revezam no poder - que usam como definitiva arma para prorrogar a pobreza, a miséria e alimentar a sua própria crueldade – nas favelas, nos morros, e nos lugares que não são morros, mas também são favelas, aqueles que já perderam a esperança e que tem o Estado como inimigo, armam-se.

     Muitos são traficantes – os que alimentam os vícios dos filhos dos donos do poder e com ele compactuam - porque formam parte do mesmo sistema podre que necessita dos seus serviços para que possa sobreviver em seus lúdicos paraísos.

     Mas a grande maioria resiste por defesa própria, sem qualquer ideologia ou outra necessidade que não seja a de preservar a própria vida, que sabem que será curta, porque a qualquer momento podem surgir assassinos fardados e armados, que tem o único trabalho de prender e de matar – tentáculos do mesmo poder que os nutre e preserva, inconscientes e imbecilizados. Votam por obrigação, da mesma forma que os grandes rebanhos das cidades, formados por aqueles que ainda não estão favelizados.

     E mais além - enquanto eles brigam e dividem o poder e fazem acordos e se embrutecem na sua megalomania – em lugares distantes, talvez, ou até muito próximos, tão próximos que não podemos ver ou suspeitar, restam os conscientes, os que vêem o que realmente acontece e que sabem que este tipo de voto, de eleição, é apenas mais uma maneira de enganar, de fingir democracia, e se organizam e se preparam e se armam com enxadas e foices e sementes. Estes votam em si mesmos.

2 comentários:

  1. É isso ai Fausto só mudam as moscas.
    O que mais me intriga são os índices de desenvolvimento divulgados: ou falam de outro país ou eu estou cega, surda e muda.
    Mas o que esperar, se um Ministro ao justificar o vazamento de dados propõe ações que no mínimo são inconstitucionais?
    A revista Veja, com muita propriedade, “explica” o absurdo.
    Na realidade as coisas não são devidamente esclarecidas, pois, com certeza, 90% dos políticos têm o “rabo preso”.
    Tanto faz o partido X ou Y, o problema é que hoje não se vê QUALIDADE dentro da classe política.
    E vamos que vamos.
    Parabéns.

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  2. As eleições. O povo. A gente vai ficando triste lendo esta postagem. A realidade é cruel, doi na alma. Parabéns! Onde a saída para tanto descalabro?
    Lidia.

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