sábado, 6 de novembro de 2010

A CONSPIRAÇÃO BÚLGARA



Diz a lenda que na Bulgária não há o que entendemos por homens e mulheres, mas seres híbridos, que, de acordo com as circunstâncias, podem revelar características femininas ou masculinas.

     Ainda outra lenda, que se mescla com esta, afirma que são todos seres masculinos, mas que alguns, mais melindrosos, tímidos e meigos, para fins de reprodução são considerados femininos, porque tem útero e sexo assemelhado com o da mulher.

     Devem ser lendas mentirosas. Oriundas, talvez, do fato dos búlgaros falarem a língua búlgara e, em sua maioria, morarem na Bulgária, um país que fica localizado quase na Europa e quase na Ásia Menor. Esse “quase” deu origem a mexericos e aleivosias, provavelmente oriundas dos povos vizinhos, invejosos do fato dos búlgaros falarem búlgaro de uma maneira tão búlgara. Consideram o falar búlgaro uma arte que só pode ser desenvolvida em sua perfeição por búlgaros – e por isso os invejam.

     No entanto, os búlgaros escrevem em cirílico, um alfabeto criado na Idade Média e que é baseado nos alfabetos grego e glagolítico. É o que mais os torna singulares, porque pensam em cirílico e falam em búlgaro. Isso aumenta a sua capacidade intelectual, tornando-o um dos povos mais inteligentes do mundo, segundo os seus próprios historiadores.

    Para que outros povos de menor capacidade intelectual possam entendê-los, por vezes os búlgaros falam o romeno, o albanês ou o grego, línguas que aprendem desde criança para essas eventualidades, mas sempre pensam em cirílico. A sua grande capacidade mental leva-os a desejarem a profissão de economistas ou outras que incluam ciências exatas. Mas também existem poetas laureados entre os búlgaros. Poesia concreta.

     Adoram ópera. Pesquisas ainda não confirmadas oficialmente afirmam que é uma tentativa ancestral para melhorar a inteligibilidade de sua própria língua entre eles, embora haja alguma dificuldade em conseguir sopranos. Se bem que a maioria das óperas são cantadas em italiano, mas eles fazem o possível para bulgarizá-las. As sopranos tem voz de barítono, mas mesmo assim, são aplaudidas e incentivadas.

     Quase todos os búlgaros chamam-se Boris, mas, segundo recentes informações, preferem ser chamados de Ivan. As mulheres geralmente recebem o nome Gudrun. No entanto, há aquelas que ostentam os nomes melífluos de Turbat ou Kurvel. A maioria dos sobrenomes búlgaros tem o sufixo ov, embora algumas famílias, para distinguir-se do simples povo, prefira o sufixo off ou, ainda mais sofisticado, o sufixo eff.

     Segundo informações, que poderão ser verdadeiras ou não, o sufixo eff nos sobrenomes de famílias búlgaras é designativo de nobreza. Pessoas que nascem com eff no sobrenome são vistas de baixo para cima pelas pessoas que nascem com um simples ov. Costumam ser reverenciadas ao passar e espera-se delas grandes feitos heróicos.

     Isso está confirmado por lendas, como a de Zulen Strenueff.

     Conta-se que Zulen foi o primeiro a subir o Musala, que tem 2.925 metros, na península balcânica. Ao alcançar o topo, em 1913, olhou para baixo com o seu binóculo especial e viu soldados da Bulgária, Macedônia, Grécia, Turquia e outros países envolvidos em uma terrível batalha. Não gostando do que via, gritou com todas as suas forças: - “Parem já com isso!” – o que provocou uma debandada das tropas, que pensaram que era o próprio Deus terrível gritando.

     E aquele grito teria acabado com a guerra dos Bálcãs. Mas há outra versão para esse feito de Zulen, que é contada entre sorrisos e olhares cínicos em noites de lua cheia quando o lobisomem uiva e homens e mulheres bebem nas tabernas esquecidas perto de florestas que poderiam ser encantadas.

     Essa segunda versão diz que a nobre família de Zulen tinha combinado casá-lo com Merievna Chatonofskaia Gudrunov, de família rica, mas não nobre. Mas, à medida que ambos cresciam, Zulen arrepiava-se cada vez que era obrigado a visitar Merievna, que não era exatamente bela, mas simplesmente búlgara.

     No dia do casamento, preferiu correr em direção às cabras. Merievna viu e correu atrás. E quanto mais Zulen corria, Merievna corria atrás dele. E assim, ambos subiram a cordilheira balcânica e, em questão de pouco mais de dois dias alcançaram o cume do Musala. Foi lá que Merievna pegou Zulen que, já um pouco cansado, deu o famoso grito: - “Para já com isso! – que os soldados que guerreavam em torno ao monte interpretaram como sendo o tonitroante grito de um deus.

     De qualquer maneira, o que se sabe de verídico, ou quase, é que alguns dias depois, Merievna aparecia puxando Zulen por uma corda. Ambos com cara de idiota e com um sorriso embevecido preso nas fauces hilárias. Sorriso que só pode ser retirado, com muito esforço por seus parentes, depois de dias de revezamento no contar de anedotas tristes e depressivas. Os búlgaros também são especialistas em anedotas tristes e depressivas. Dizem que daquele dia em diante Zulen deixou de olhar para as cabras.

     Embora tenha sido um acontecimento quase corriqueiro entre os búlgaros – porque Zulen não foi o primeiro a fugir para as cabras no dia do casamento nem Merievna a única noiva a correr no encalço do futuro marido – aquele grito que acabou com a guerra dos Bálcãs provou mais uma vez para os iniciados, mas somente para os iniciados, o poder da Força Búlgara.

     E aqui eu conto a vocês o que é tido por adeptos - ascensionados e não ascensionados - como o poder búlgaro atua sobre o mundo.

     Em estranha noite de não estranha escuridão, quando discos voadores voavam lindamente nos céus enquanto as pessoas olhavam para o chão com a esperança de encontrar dinheiro perdido ou minhocas para servir de isca em futuras pescarias, encontrei um iniciado que me revelou O Segredo, enquanto tomávamos cafezinho em um lugar ainda não abandonado e do qual nada mais posso informar, pois isso é um mistério.

     Era um iniciado desesperançado com as iniciações. Tantas tinha feito e nada adiantara – dizia-me ele – porque não conseguia ir em frente, ficando apenas no início de cada uma delas. Por isso desistira. Saíra de todas as lojas, ordens secretas, organizações, confrarias, conventos e conventículos a que tinha pertencido porque preferia ser um livre pensador e não conseguia a liberdade de pensar por si mesmo estando preso a regras e segredos.

     Talvez devido à capacidade alucinógena do café ou a fatores outros que não consegui ainda detectar, mas que poderiam incluir o fato de ter brigado com a sua mulher – a fortíssima Gudrun Zniovnov, medalhista por lançamento de disco nas olimpíadas balcânicas – e estar com um olho roxo, o ex-iniciado depois dos dois primeiros cafezinhos, sentindo o coração arrítmico e desconfiando que sofreria um ataque cardíaco fulminante – segundo me contou, devido a eflúvios malignos que estariam sendo lançados contra ele pelos seus ex-irmãos das ordens secretíssimas que tinha recentemente deixado – resolveu me contar o que chamou de O Segredo do Poder Búlgaro.

     Ouvi, e não foi pouca nem demasiada a minha surpresa ao tomar ciência daquele segredo que desvelava todos os demais segredos.

     Enquanto tomávamos o terceiro cafezinho - desta vez acompanhado por um pastel de carne de cabra e uma cerveja búlgara para aliviar os efeitos tóxicos do pastel – ele falou. E sempre que falava, entre uma dentada no pastel, um gole de cerveja e outro de café, fazia questão de encostar a sua boca na minha orelha, o que fez com que eu trocasse várias vezes de lugar com ele, ora à sua direita, ora à sua esquerda, e usasse seguidamente o meu lenço para limpar as orelhas.

     Explicou-me que era um hábito antigo de iniciado, ao qual ainda estava apegado, contar um segredo diretamente da boca para o ouvido, o que incluía grudar a boca nas orelhas e deixá-las devidamente babadas à moda búlgara.

     Quando eu trocava de lugar e ele ia iniciar uma nova frase, fazia questão de dar três pancadas na mesa e dizer palavras de passe hebraicas. Desculpava-se, dizendo que era outro hábito iniciático, do qual estava sendo difícil se desarraigar depois de tantos anos.

     Os búlgaros – contou ele – são um povo especial. Devido à localização do território da Bulgária, quase exatamente no centro dos Bálcãs, onde fica uma das entradas secretas para Agartha, tinham recebido dons que nenhum outro povo recebera – exceto os gregos em seus tempos áureos –, diretamente do que ele chamou de “forças telúricas oniscientes, onipotentes e onipresentes”. No entanto, esses dons ficaram restritos a uma casta sacerdotal de nobres - aqueles que tem o seu sobrenome terminado com o sufixo eff.

     Em troca, caberia aos membros dessa casta, também chamada de “nobreza eff” pelos iniciados, penetrar secretamente nos governos de todos os povos e nações do mundo e influenciar os seus destinos. O objetivo era tornar o mundo obediente, aos poucos e inconscientemente, aos desígnios do Rei do Mundo, que morava em Agartha, nas regiões ínferas da Terra. Desígnios estes que visavam, futuramente, promover um mundo melhor para todos.

     Contei a ele que já tinha lido isso em algum lugar, mas que não incluía os búlgaros, mas os tibetanos. Ele me disse que era uma manobra diversionista: enquanto os tibetanos ficavam lá no Tibete, rezando, os búlgaros da “nobreza eff” agiam no mundo inteiro.

     Tinha provas. A Rainha Elizabete II, por exemplo, teria sangue búlgaro e se chamaria, na verdade, mas somente em círculos muito secretos, Gudrunovskaieff II. Toda a família real da Inglaterra era da “nobreza eff”.

     Eventualmente participavam do que os seus inimigos chamavam de ritos satânicos, mas que, na verdade, eram atividades purificadoras para a humanidade, como a guerra das Malvinas, invasão do Afeganistão e do Iraque e outras atividades bélicas. Haveria a necessidade de purificar o mundo de algumas raças e seres que não pertenciam ao plano de Agartha para o futuro harmonioso da humanidade. Por isso, as guerras.

     Obama também seria da “nobreza eff”, e seu nome secreto seria Barackaneff. E assim todos os principais dirigentes do mundo. Eles se reconheceriam por palavras de passe e toques de mão especiais.

     Mas havia uma condição para isso acontecer. Sempre que alguém da “nobreza eff” tinha acesso ao poder de algum país da orbe terrestre, precisaria também ter um parente – pai ou mãe – que tivesse um nome nativo.

     O cruzamento permitia um perfeito domínio sobre o povo em questão, através da assimilação da cultura e dos costumes, enquanto os dons da “nobreza eff” ficavam resguardados e poderiam ser emitidos com maior força sobre o povo a ser dominado e purificado.

     Disse que eram dons paranormais ativados pelo poder da palavra. Deu-me alguns exemplos: na Bulgária, “Gudrunov” com Ruskeff seria perfeito; na Alemanha, um “Schmidtt” antes de um sobrenome da “nobreza eff” seria o correto e ideal; nos Estados Unidos, “Smith”, no Brasil um “Silva” antes de...

     Não o deixei terminar. Quase tinha pronunciado a palavra sagrada! Enfiei o pastel na sua boca, enquanto lhe sorria, com um ar amigo.

     Depois de dizer tudo isso, e mais algumas coisas que não me permito repetir agora, adormeceu e a sua boca ficou estranhamente pegada na minha orelha esquerda, de modo que eu podia ouvir os seus roncos com muita nitidez.

     Acordei-o para poder limpar a orelha e dizer a ele que, na verdade, as suas afirmações não se constituíam em provas, mas eram apenas afirmações.

     Sorriu, com um sorriso sarcástico, hieroglífico e sephirótico, enquanto me dizia que para um iniciado bastava a afirmação para que se constituísse em prova cabal. Lembrei a ele que não era mais um iniciado, o que o fez olhar para os lados, bruscamente. Depois, acrescentou: “Mas eu ainda sei!” – bateu três vezes na mesa, disse a palavra “shibolet” e começou a afastar-se em direção à porta, arrastadamente, ainda sob o efeito morfético do café. Ou do pastel.

     Fiquei a olhá-lo, enquanto se afastava, pensando se deveria matá-lo imediatamente ou deixar o serviço para a sua mulher. Finalmente, decidi pela primeira opção. Rapidamente, servi mais um cafezinho e dei para ele, que já alcançava a porta. Agradeceu, bebeu, deu mais alguns passos e caiu. Mortinho.

     Estava cumprida a minha missão. Afinal, não se vai à Bulgária apenas para comer pastel de carne de cabra. O poder da palavra da grande líder tinha me mobilizado imediatamente, logo após eu ouvi-la dizer: “Eu tenho um compromisso!”. Naquele exato instante eu fiquei sabendo que em algum lugar do mundo havia um ex-iniciado pronto para revelar os seus segredos e que caberia a mim silenciá-lo. Pelo olhar da líder, percebi que era na Bulgária. Depois, foi simples.

     Agora, enquanto eu como mais um pastel, espero a minha vez. Sei que a minha morte será um sacrifício necessário. Ficarei em estado onírico por pouco tempo e reencarnarei quase imediatamente em uma escolhida família da nobreza eff.

     No entanto, por via das dúvidas (por mais alta que seja a minha iniciação, caio nas armadilhas dos vulgares e profanos humanos, com dúvidas e incertezas: quem vencerá a próxima Copa do Mundo?) resolvi escrever este texto.

     Alguém algum dia vai lê-lo, talvez um blogueiro. Melhor ainda, vou enviá-lo por email. Depois, talvez ainda haja tempo para subir o Musala ou para visitar Gudrun Zniovnov.

     Talvez não. Vejo o avião não tripulado aparecer entre os discos voadores. Será uma operação cirúrgica, como gosta de dizer a grande líder. Fico esperando ou corro para as cabras?

2 comentários:

  1. Ótimo conto! Bem que poderia, em alguns aspectos, sair da ficção e se incorporar à realidade. Parabéns!
    Lidia.

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  2. Cai nesse Blog por uma mensagem que me apareceu. Bom texto...Só ainda não encontrei porque cheguei aqui. Mas desejo-lhe luz.

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