domingo, 5 de dezembro de 2010

OS QUE TEM MEDO


Autocensores,
não por resquícios mentais da ditadura,
aquela,
ou traumas filosóficos e espirituais,
mas por diplomacia,
pela estratégia de conquistar espaço,
pelo desejo de conseguir amigos, ou de não perdê-los,
para poderem participar dos mesmos círculos rituais
onde se cultiva a calma e a ponderação,
no máximo alguma discussão horizontal sobre estética,
ecologia e cultura,
nada que afete o bem-estar de todos os participantes,
que vá além das fofocas habituais
ou dos hábitos comuns ao grupo;
nada sobre política,
apenas as notícias veiculadas pela mídia
dominante,
a conversa que pode ser conversada,
e, depois, na solidão do teclado e da tela,
expressarão idéias e informações agradáveis,
dentro da lógica mundana e rasteira
de pagar para não se incomodar,
ou devido ao medo de ceder a maiores invasões mentais,
dúvidas que possam parecer por demais loquazes
ou agoniantes perscrutações internas...

Não, nada disso:
a certeza de estar no mundo certo.
Talvez necessitando de alguns ajustes,
que breve acontecerão se tudo continuar assim,
se Deus quiser,
com um melhor salário por um melhor trabalho,
a droga certa para deixar a mente quieta
e parva e distante,
as esperadas desilusões amorosas
que podem ser curadas pelo tempo
e por outras amizades não tão profundas,
para que não tão profundas sejam,
depois,
as novas cicatrizes,
o levar a vida através das alegrias programadas,
que não machucam nem provocam esperanças,
porque a esperança poderá ser
um aprofundar-se em desespero,
se cultivada,
e cultivar as pequenas alegrias
indicadas no manual do bem viver,
entregar-se à sobriedade
da monotonia perfeita e segura,
evitar o desbravar
além da esquina conhecida...

Aceitar as verdades que todos aceitam,
porque assim é mais fácil participar de clubes
onde todos fazem a mesma coisa,
alegremente,
e se enxergam uns nos outros
e procuram demonstrar felicidade
nos seus olhares mortiços,
ávidos de nada
ou de qualquer coisa que seja permitida olhar
pela moral dominante
e pela força do hábito
de uns seguirem os outros
e de todos seguirem aquilo
que lhes é permitido seguir...

Concordar sempre que tudo é possível,
desde que o possível seja tudo aquilo
que lhes é dito que é possível;
adquirir a segurança do imóvel
onde estará a prevista família
como um bem durável
que somente pode ser leiloado por bom preço
e dependendo das condições do mercado...

Ser previsível e perfeito nos modos e na aparência,
dizer as palavras certas nas horas e nos lugares certos
para as pessoas certas
e ter a certeza de que isso trará um bom retorno
a prazo fixo
e determinado pelas circunstâncias da vida em sociedade...

Permitir-se os pequenos luxos que todos se permitem,
cometer os pequenos e esperados pecados sociais,
as ousadias já previstas e catalogadas
como itens aceitáveis,
as ruborizadas insubordinações mentais e físicas,
mas não ir além do estabelecido
como perfeitamente normal.

O desnudar de pensamentos mais radicais,
que busquem a origem de certas idéias
na própria seiva que alimenta a raiz,
o desentrincheirar do próprio ego
em visões outras
além da simplicidade tosca da sacada ou da janela,
o vislumbrar de possibilidades revolucionárias,
denunciadoras
do parco dormir e acordar e falar e comer e trabalhar
e voltar a dormir e sonhar sonhos inertes,
vagos, tristes, preguiçosos,
que são sonhados entre os devaneios da memória
e o entretecer de vozes imperfeitas,
desconhecidas e ameaçadoras por serem desconhecidas,
o acordar súbito ao som de pensamentos lépidos
e visionários,
desejosos de impulsionar o corpo,
reativar o espírito
no vislumbre de estradas a percorrer,
caminhos a desvendar,
forças a recuperar
em talvez momentos de paixão que...

...poderão ser demasiado apaixonados,
sem o freio mental
sempre solidário às receitas prontas,
conhecidas,
estéreis,
aconchegantes...

2 comentários:

  1. Bela poesia! A vida tem disso também. Pena! Mas em compensação tem o outro lado que está por aí, e que às vezes nem enxergamos. Parabéns!
    Lidia.

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  2. É isso aí: a segurança que o previsível nos possibilita ou viver arriscando as entranhas??? Muito legal, parabéns, abraço, Heloisa

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