quarta-feira, 27 de abril de 2011

ESBULHO


“O esbulho possessório é a retirada violenta de um bem (imóvel residencial, comercial ou rural) da esfera da posse do legítimo possuidor. Implica o crime de usurpação tipificado quando alguém invade com violência à pessoa, grave ameaça ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio. Ocorrido o esbulho, o interessado pode entrar com ação de reintegração de posse e por perdas e danos. O "esbulho possessório" é crime. A sentença criminal pode condenar o esbulhador à detenção de um a seis meses e ainda, multa..”


     Convenhamos que a pena é mínima. Procurei o significado de esbulho na Internet, porque nós, brasileiros, estamos constantemente sendo esbulhados, não somente quando alguém toma o que é nosso, violentamente, mas de outras maneiras também violentas, não tipificadas na lei.

     Uma delas é o esbulho por omissão. Quando você sabe que está sendo roubado ou que estará prestes a ser roubado, reclama a quem de direito e nada é feito, ou é feito de maneira tão sutil e invisível que não se percebem os seus efeitos.

     Se você não tiver dinheiro sobrando, no Brasil, prepare-se para ser esbulhado. Inevitavelmente.

     O povo brasileiro é tido por otário pelo Estado, que o esbulha com os maiores impostos do mundo; esbulha a sua saúde ao não lhe dar condições de tratamento adequadas; esbulha a sua educação através de um sistema educacional perverso, que somente deseduca, com professores desmoralizados e mal pagos e diretores sem força ativa; esbulha imensamente os seus trabalhadores assalariados e aos não assalariados esbulha a vida; esbulha a verdade ao povo, através de veículos de comunicação especialistas em nada dizer e em maquiar a realidade.

     Cerca de 10% do povo brasileiro não é esbulhado. São os esbulhadores, donos da mais moderna tecnologia do esbulho. Os corruptos por natureza, por herança genética, por oportunidade, por escolha pessoal, por deterem um poder que lhes permite saciar a sua sede de esbulho e de corrupção e que tem consciência da sua impunidade. 

     Fábio Konder Comparato, na matéria “UM PAÍS DE DUAS CARAS”, revela que o Estado brasileiro segue, invariavelmente, a regra de dois pesos e duas medidas no que se refere a direitos humanos. E escreve:

     “Só há uma maneira: denunciar abertamente os verdadeiros autores desses crimes, perante o único juiz legítimo, que é o povo brasileiro. É preciso, porém, fazer essa denúncia diretamente perante o povo, pois em uma democracia autêntica é ele, não os governantes eleitos, quem deve exercer a soberania.”

     Ao mesmo tempo, percebe que isso é quase impossível:

     “(...) Acontece que, numa sociedade de massas, uma denúncia dessas há de ser feita, necessariamente, através dos meios de comunicação de massas. Ora, há muito tempo estes se acham submetidos à dominação de um oligopólio empresarial, cujos membros integram o núcleo oligárquico, que controla o Estado brasileiro.”

     Todas as pessoas que não fazem parte daquele clube oficial dos esbulhadores sentem-se lesadas diariamente neste Brasil de meias verdades. Não é necessário que tenham os seus terrenos invadidos, as suas casas tomadas. Este é o esbulho que a lei prevê. Mas o pior esbulho é o esbulho moral, quando sabemos que nenhuma lei vai nos ressarcir da vida que é tirada, aos pedaços e metodicamente, de todos nós. Para alimentar os corruptos.

     Somos esbulhados diariamente na nossa vontade, na nossa força, na nossa alegria de viver. E, às vezes, pensamos que é melhor deixar tudo de lado e dizer aos esbulhadores: “Foi péssimo ter conhecido vocês. Até nunca mais”.

     De nada adiantaria. Os esbulhadores pertencem a mais baixa estirpe moral dos seres humanos e somente ficariam tristes por ser menos um a esbulhar. São sanguessugas. Por falar nisso, o tal de Impostômetro significa o dinheiro arrecadado pelo Supremo Esbulhador ou apenas dá os números do esbulho imposto pela impostura dos impostores oficiais?

     Fiquei me perguntando por que não festejaram, este ano, o Dia de Tiradentes. Talvez para não lembrarem a História oficial que, mesmo sendo oficial, revela alguma coisa nas entrelinhas. Revela que a Inconfidência Mineira aconteceu porque, naquela época, em 1789, existiam pessoas que não aceitavam ser esbulhadas pacificamente. Era um tempo em que os brasileiros tinham consciência de quando estavam sendo roubados; um tempo em que o Estado não teria coragem de se autodenominar, sarcasticamente, de “Leão” ou ostentar um Impostômetro marcando os dígitos do seu gigantesco esbulho aos brasileiros.

     E essas pessoas reagiram e quando chegou a época da “derrama” – o esbulho oficial - em Minas Gerais, revoltaram-se e tentaram a separação do Império. Foram traídos e presos. Processados e condenados ao degredo nas colônias portuguesas pelo crime de lesa-majestade. Com a exceção de Tiradentes – que era apenas um pobre tira-dentes e não um senhor de engenho ou um bacharel formado em Coimbra ou um ruralista, padre ou militar. Tiradentes foi assassinado para servir de exemplo a todos aqueles que desejarem se revoltar contra o esbulho oficializado.

     Também não comemoraram o Dia do Índio. Passou em branco, menos para os indígenas, que não são nem querem ser brancos. Desde que os brancos chegaram aqui eles foram e continuam sendo esbulhados da sua liberdade, da sua cultura, das suas tradições, das suas terras, da sua força vital.

     Índio não é igual a branco que aceita tudo. Protestaram. Principalmente no Xingu, contra a construção da usina de Belo Monte, já condenada pela OEA e pelo mundo inteiro, mas que a arrogância de Dilma e de seus aliados empresários, políticos e banqueiros quer constituir, à força, no maior esbulho que os índios brasileiros já sofreram em toda a sua sofrida história de dominação pelos brancos.

     Protestaram e prometeram reagir. De armas na mão, se necessário for. Índio não é como branco, que prefere a paz do carnaval e só reage xingando o árbitro quando o seu time é roubado.

     Em entrevista ao jornal “O Liberal”, de Belém, no dia 19 de abril, Sheyla Juruna afirmou: “Não tem o que festejar no Dia do Índio, a gente tem muito é que brigar mesmo, demonstrar a nossa insatisfação diante desse governo injusto, que está aí levando tudo do jeito que ele quer, contra o nosso povo".

     Sheyla destacou que os índios estão prontos para guerrear até a morte, se necessário for: "Não descarto essa possibilidade, porque é o governo que está instigando essa violência, essa guerra. E isso vai acontecer e a culpa será do governo. Nós não temos medo. O que tivermos que fazer para defender nossas casas, nós vamos fazer. Vamos nos defender até o fim desse governo que fala em acabar a miséria, mas está fazendo com Belo Monte mais miseráveis."

     Não saiu na mídia oficial, mas o Governo mandou soldados para Porto Velho, em Rondonia, onde trabalhadores da usina hidrelétrica de Jirau se revoltaram violentamente contra o esbulho da sua força de trabalho, em março. O canteiro da obra foi depredado.

     A região das obras das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, registra uma explosão de criminalidade e de casos de exploração sexual de crianças e adolescentes. Esbulho leva a mais esbulho.

     Os lagos formados pelas barragens das usinas hidrelétricas de Jirau e do Santo Antônio, que serão construídas ao longo do rio Madeira, em Rondônia, deverão ser maiores do que o sugerido nos estudos de impactos ambientais realizados por técnicos da Furnas Centrais Elétricas e da Construtora Norberto Odebrechet. A declaração é do doutor em Planejamente Energético pela Unicamp – Universidade Estadual de Campinas e professor da Unir – Universidade Federal de Rondônia, Artur de Souza Moret. “Os impactos ambientais dessas obras terão uma dimensão jamais vista na Amazônia.”

     Então imaginem o impacto ambiental que terá a construção da usina de Belo Monte – que será a terceira maior do mundo – na natureza, nos ecossistemas, na Amazônia. Porque os esbulhadores pensam somente em seus lucros. Não se preocupam com a fauna, a flora, pessoas, indígenas. Não se preocupam com nada. Para eles, esbulhar é natural, porque as suas naturezas são pervertidas.

     E são esses os que governam o Brasil e falam belas palavras e jogam moedas para o povo esbulhado e não se importam se não há liberdade, justiça ou pão. “Que comam bolos!”.

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