Estava tomando um café na Casa de Cultura de Porto Alegre, antigo Hotel Majestic, quando olhei para cima e vi uma estátua de Mario Quintana. Palavra que me assustei. Penso que ele detestaria. Poetas não gostam de estátuas. Curiosamente, todas as cidades tem o seu poeta ou escritor "oficial", que é transformado em monstro sagrado. Foi quando surgiu este poema.
I
Primeiro, cria-se o monstro.
E, ao criar-se o monstro
Espera-se que seja monstro.
Sucede que o monstro
Não sabe que é monstro.
No início, apenas sugere
A possibilidade de monstro.
É lento o fazer-se monstro,
O dizer-se monstro,
O aceitar-se monstro,
O sentir-se monstro.
O monstro que insinua o monstro
Prefere esquivar-se
Do mito de monstro
Ao saber-se mito,
Ao saber-se monstro.
E faz-se de puro
De ingênuo
De cândido
De translúcido Nada
Ao negar-se monstro.
E ao tentar mentir-se
De somente humano
E ao tentar fugir-se
De mistificar-se...
... Eis que surge o mito!
... Está criado o monstro.
II Oração sagrada ao monstro sagrado
Salve, ó monstro sagrado!
Luz da poesia de versos encantados!
Em ti veneramos
A pureza do cantar
Leve
Castiço
Escanhoado.
Ó bem-amado monstro!
Ó invejado monstro!
Ó nosso monstro sagrado!
AVÉ!
EVOÉ!
SALVE!
III Réplica herética do monstro sagrado
Longe de mim vossos versos de louvor!
Não sou o bufão que me querem
Nem o prisioneiro de vossos espelhos majestosos.
Deixem em paz o meu cadáver létrico,
Vermes esfomeados
De memória urbana.
Respeitem meu fantasma
Que passeia em vossas tardes
Na poeira cansada
Das calçadas de outrora.
Todos os dias de minha eternidade
É o meu último e derradeiro passeio.
Querem-me Monstro?
Pois seja!
Fingirei ser vosso monstro doméstico,
Sacralizado em estátuas,
Bustos
E fotografias sorridentes.
Mas respeitem meu espectro
Já cansado das metáforas da morte.
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