quinta-feira, 17 de novembro de 2011

HIPÉRBOLE DESPICIENDA


Auxese, auxesys. Proto língua luminescente in barbaris tempus. Do verbo. Tempus fugit até chegar in mec, quando destruíram oficialmente a nossa língua e a tornaram em ruído fluido fluindo em escravo som, gritado som, inapreensível som, somente inteligível em ministérios histéricos e vorazes. Tanques avançavam nas favelas e o povo aplaudia: “Que bom!” Despiciendo povo, diziam os tanques hiperbólicos em sua auxese magnífica, tiros em sequência, que poderia ser poesia concreta, mas era somente o brasil dos iludidos, dos conformados com tão minúscula herança. Ou dos debochados, que se transformavam em metáforas de estátuas e fingiam-se de versos livres, mas seus versos estavam presos, muito presos à vulgar métrica do consentimento e da passividade.

     Alguém falava em liberdade abre as asas sobre nós e todos cantavam nos maracanãs em fúria nas calmas tardes de domingo, quando segunda-feira poderia ser o dia oficial da fome – mas que importa! – e os pássaros de sempre cantam nos hospícios, dizia Torquato Neto, pouco antes do suicídio das onças que se jogavam frente aos caçadores ou das matas que se ofereciam às motosserras ou dos indígenas que se deixavam afogar nas águas das gigantescas hidrelétricas, construídas para deleite de senhoras com tpm pós-menopausa, falando que eram poderosas, osas, osas, osas, repetia o eco pindorâmico em pletórico espasmo lingüístico.

     Signo em si, signo em si, signo em si bemol. Sol, sol, sol a crestar e destruir os restos daquela terra salve-salve-se quem puder, mas quem podia, naquelas tardes de outrora, quando não se ouvia mais o melódico canto do sabiá, somente o mercadejar dos mercadores oferecendo terras e minérios e mulheres com grandes seios e nádegas pomposas para vossa delícia, ó senhores que nos comprais tanto e por tão bom preço?!

     Feicebuques feicebuqueavam e orcutes orcuteavam com pessoas que escreviam sejamos bonzinhos porque tudo passa e a vida é uma ilusão como o amor da primeira primavera, quando vemos apenas a pele e os cabelos e agimos como os embasbacados que aplaudem corruptos, porque tudo é sentir na época das flores e as pessoas se transformam em sorrisos ambulantes e cantam canções bobas, porque somos bobos, mesmo nas últimas ou na última primavera e bendita seja a bobagem nossa de cada dia amém, para todo o sempre era assim no tempo pouco antes do tempo em que surgiram os grandes enganadores, com focinhos de raposa e desejos pretéritos de meretrizes, oferecendo, generosos, o lazer supremo da bem-aventurança, como somente políticos muito políticos sabem oferecer e todos preferiram a ilusão da possibilidade da verdade e somente perceberam a gigantesca e hiperbólica mentira quando já estavam acostumados com a sua presença e com a necessidade de mesuras lavapés rapapés quebraespinhas vênias discursos elogiosos prostituição moral e cívica, palavras esquivas e esguias na hora de pedir, pedir, pedir, talvez implorar de joelhos a tanta necessidade de participar do bolo, da bola, da bolinha, do trem bala da alegria - tanta necessidade de ser joguete nas grandes mãos dos domadores de vontades que diziam este país é nosso, somente nosso e você também poderá ter a sua parte se consentir em dobrar-se, assim, mais um pouco, pronto!, agora é dos nossos, somos todos iguais nesta noite, jorge sentou praça na cavalaria, fio maravilha faz mais um pra não dizer que não falei das flores e tico-tico no fubá não é o mesmo que chico-chico no oba-obá e tudo passa, tudo passará quando você cantar com ardor e dor a canção do grande líder, que agora já é amigo de todas as forças que antes eram inimigas e temos acesso à senha do enriquecimento, basta consentir em não mais pensar.

     Era o tempo em que pessoas se envolviam nas hipérboles oficiais e gostavam do carinhoso contato que oferecia empregos e viagens e uma velhice tranqüila e segura, desde que.

     Imoralia maxima. O amor nasce do sexo, diziam os educadores que davam camisinha para os pré-adolescentes experimentarem o máximo amor e faziam-se passeatas pela liberdade da embriaguez e somente os cinco conhecidos sentidos recebiam nota dez nos festivais de patriotismo, onde meninas com plumas coloridas pulavam – nossa! – e ejaculações precoces, muito precoces eram oferecidas aos donos das nossas mentes, que diziam aqui está o futuro da pátria amada, cantemos o hino que lembra o tempo em que éramos valentes, agora erramos, mas acertaremos de tiro em tiro todas as favelas para que em suas terras tão valorizadas possam ser erguidos edifícios para o nosso lucro eterno.

     Ou quase. A eternidade era uma mentira e todos acreditavam somente no prazer e muitas eram as possibilidades vendidas para que todos tivessem o seu momento encantado de cada dia e poucos, somente os muito pobres e marginalizados, eram oficialmente presos, indignos de vender alegria sem autorização ou diploma de curso superior, este é um país de todos, diziam os donos das nossas vontades e veleidades. Os demais eram mortos. Mortos entre grades e campos de concentração, mortos pela fome ou pela desesperança e mesmo os mortos de esperança eram mortos, números, estatísticas, excesso de povo que deveria ser controlado em seu excesso de fome, caso contrário não teríamos o que exportar para os países ricos – como ficaria a nossa balança comercial?

     Tempos em que ainda existia um país, mesmo que agonizante em seus campos e matas, que se tornavam, a cada dia, mais estéreis e depredados para júbilo dos grandes negociantes, euforia de ministros e membros do congresso dos prostituídos e declamações orgulhosas dos donos das nossas vidas tão democráticas.

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