sábado, 24 de dezembro de 2011

O ANIVERSARIANTE


Tinha passado poucos dias fora, em visita a seu pai, e agora voltava. Não para o mesmo lugar, que lhe tinha deixado tristes recordações e de onde ouvira falar que era palco de guerras, muros, incêndios, assassinatos e muito ódio. Aquele povo voltara a adorar os deuses da guerra e a eles prestava tributo diariamente.

     Não. Preferira um lugar simples, uma cidade pequena no extremo sul de um país famoso pela alegria. Afinal, no dia seguinte seria o seu aniversário e buscava o aconchego de pessoas mansas e pacíficas. Necessitava de sorrisos ao menos por um dia. Depois, continuaria a sua longa caminhada.

     Chegou à noitinha, encontrou um lugar para descansar, vestiu-se com roupas à moda da terra e foi dar um passeio.

     As ruas estavam cheias, as pessoas se abraçavam, carros passavam buzinando, casais se beijavam, crianças corriam e os mais velhos olhavam para tudo aquilo como se o resultado das suas longas vidas fosse, finalmente, aqueles momentos festivos.

     Entrou em um lugar para fazer uma refeição e, quando veio o vinho mal pode prová-lo. Aquela bebida não era vinho! Lembrava o vinho pela cor, mas, decididamente, não era vinho. A comida tinha um gosto estranho, que lembrava serragem. Mesmo assim comeu e fez força para beber, lembrando que cada lugar tinha os seus costumes.

     Quando saiu do restaurante a noite já tinha chegado e as pessoas se recolhiam apressadamente para as suas casas. “Demasiado apressadas”, pensou. Todas carregavam pacotes e sacolas e tinham a expressão tensa e solitária. Mas sorriam sorrisos de cordialidade, diziam palavras afetuosas uns para os outros e corriam, corriam muito, como se estivessem atrasadas para algum importante encontro.

     A cidade estava iluminada, ouviam-se estranhas e langorosas músicas, e à medida que a noite se firmava e deixava as estrelas aparecerem, as luzes da cidade ficavam ainda mais fortes, de tal maneira que não podia enxergar os pontos luminosos que o céu oferecia como bênção.

     Sentiu uma estranha tristeza com todo aquele burburinho, com o jeito canhestro e afobado de todos, que pareciam mais fugir que correr, com a forçada alegria que o deixava aturdido e confuso e resolveu caminhar para fazer a digestão, afastando-se a passos largos do centro da cidade, que lembrava a Babel dos primeiros dias, onde todos falavam e ninguém se entendia.

     Caminhou bastante, pois era jovem, forte e gostava muito de caminhar. Quanto mais se afastava, mais as luzes elétricas diminuíam o seu brilho e as estrelas podiam ser vistas com mais clareza. Observou uma constelação, depois outra e, súbito!, uma estranha e brilhante estrela chamou a sua atenção pelo brilho e nitidez e pelo fato de estar tão perto.

     Para distrair-se, seguiu-a. A noite era límpida e a estrela parecia cada vez mais perto, como se apontasse para um lugar. Por fim parou. Abaixo dela um casebre feito de lata, com teto de lona. Dentro, ouviam-se gritos sinceros de alegria. Pessoas pobres, vestidas com roupas muito simples e rasgadas aproximavam-se do lugar. Cachorros, gatos, galinhas, uma ou duas vacas magras e até um cordeirinho desgarrado estavam à volta da pequena casa, que tinha a porta aberta.

     Entrou na casa em que se aglomeravam outras pessoas, provavelmente vizinhos, e viu no centro da única pequena peça um casal sorridente que abraçava uma criança recém nascida.

     Aproximou-se naturalmente, cumprimentou os pais e perguntou o nome da criança. “Ainda não sabemos”, disse o pai, “mas pensamos em chamá-lo de Emanuel”. “É uma ótima escolha”, falou o homem. “Sabem o significado?” “Não”, respondeu a mãe, que estava dando de mamar à criança. “Emanuel significa ‘Deus está conosco’ e não poderiam ter escolhido melhor”, retrucou o caminhante. “Pena que temos tão pouco”, reclamou a mãe. “Quando Deus está conosco nunca temos pouco”, disse o homem. “Eu trouxe algumas coisas comigo”.

     E logo viram que ele trazia ao ombro uma pesada bolsa, de onde retirou alguns presentes que ofereceu, de joelhos, para a criança. Todos se maravilharam, e mais ainda quando ele disse “Vamos fazer uma festa”. “Com o quê?”, perguntou o pai.

     “Tenha fé e tudo lhe será dado”, disse o homem. Em seguida, retirou da sua bolsa uma jarra e convidou a todos para beberem com ele um vinho verdadeiro. “Já passa da meia-noite e hoje também é o meu aniversário”, explicou. “Vamos comemorar juntos”. E todos se sentaram em torno à mesa, estenderam copos e vasilhas e da jarra o verdadeiro vinho era vertido sem nunca acabar. Também retirou comida da sua bolsa. Comida simples, comida de aldeão, mas que alimentou a todos.

     E a festa durou grande parte da noite.

     Ao amanhecer, despediu-se, abençoou a criança dizendo “Emanuel, agora é a tua vez”, e partiu para reiniciar a sua longa caminhada.

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