segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A VISITA DE NATAL



Certo dia, na localidade de *** apareceu um forasteiro. Era alto, forte, estava montado em um alto e forte cavalo de onde pendiam grandes alforjes e tinha o feliz hábito de estar sempre sorrindo, quando não dava boas gargalhadas.
     Pouco antes de chegar, avistou do alto de um morro o pequeno lugar com belas casas, todas muito parecidas e cada uma com um pequeno cercado à sua volta. Das chaminés saíam agradáveis volutas de fumaça, lembrando que estava quase na hora do almoço; crianças brincavam na única rua e passarinhos se alvoroçavam nas belas árvores. Não muito longe, campos bem cultivados e um grande e verdejante bosque.
     Quando entrou em *** chamou uma das crianças que brincavam e perguntou: - Onde eu encontrar um hotel?
     - O que é isso? – perguntou a criança.
     - Um hotel, uma hospedaria, uma pensão, um lugar para parar, disse o forasteiro, sorrindo.
     A criança saiu correndo e, pouco depois, apareceu um homem que perguntou ao viajante: - O senhor é de fora, não é?
     - Sim. Eu ser de fora, eu ser de muito fora.
     - Daquelas cidades loucas?
     - Eu não saber o que ser cidades loucas.
     - Por que o senhor fala assim?
     - Porque eu estar aprendendo uma nova língua; uma língua universal que logo todos falarão e estar treinando o sotaque. Yes, no question... Mas queria saber onde fica o hotel. Meu nome ser Joe Steve. Muito prazer.
     - Prazer. O meu nome é João Estêvão e aqui não temos hotel.
     - Eu estar apenas de passada. Querer um lugar para descansar um pouco.
     - Entre e venha almoçar conosco. Mas primeiro leve o seu cavalo para a estrebaria, aqui ao lado da casa e lhe dê ração. Não se deve comer antes de alimentar os animais.
     João Estêvão acompanhou Joe Steve para a estrebaria onde descansavam outros cavalos e ajudou o estrangeiro a apear e desencilhar o seu animal. Mostrou onde estava a ração e disse que o esperava em casa para almoçar. Joe Steve deixou o cavalo se alimentando, pegou os pesados alforjes e entrou na casa. Todos já sabiam da sua chegada e a mesa estava posta para o almoço.
     João Estêvão apresentou a família.
     - Esta é Helena, minha mulher.
     - Muito prazer, senhora. Eu também ter uma mulher que se chamar Helen.
     - E porque ela tem esse nome estranho? - perguntou Helena.
     - Porque estar adequado com a nova ortografia oficial e ser bom para negócios.
     - Ah... Estes são meus filhos. O senhor já conhece o Cristiano...
     - Como vai, Cristiano – disse Joe Steve, apertando a mão do menino que tinha encontrado na rua. – Eu também ter um filho chamado Christian, hehe.
     - E esta é a Beatriz, disse Helena, apontando para uma menina de cachinhos dourados com uma fita nos cabelos.
     - Hello, Beatriz, disse Joe Steve. Que estranho ser: eu ter uma filha que chamar Beatrice, hehe.
     Depois de almoçarem, João Estêvão convidou Joe Steve para tomarem um cafezinho embaixo de uma parreira ao lado da casa.
     João perguntou: - E o que o traz aqui, senhor Joe?
     - Negócios, mister João. Esta ser época de bons negócios, o senhor saber.
     - Mas esta é a época do Natal!
     - Por ser época de Natal, mister João. Época em que todos querer comprar coisas e mais coisas de presente e eu trazer coisas e mais coisas para vender para todos comprar para dar de presente de Natal, hehe.
     - Eu acho que o senhor está enganado. Para que dar presentes de Natal?
     - Porque menino Jesus ganhar presentes de reis magos e todos dar presentes no Natal para lembrar presentes que menino Jesus ganhar, hehe.
     - O nosso Natal não é assim. Aqui nós não trocamos presentes, mas agradecemos os presentes que Deus tem nos dado durante o ano inteiro.
     - E como agradecer presentes?
     - Depositamos as primícias da colheita ao pé da árvore mais antiga do bosque para simbolizar a nossa alegria pela vida e o respeito que temos pela natureza.
     - Ah... entender... E essa colheita vocês vender para quem?
     - Não vendemos a colheita. Plantamos o suficiente para o nosso sustento e quando há excedente trocamos com o excedente de outras comunidades vizinhas.
     - Comunidade!, eu não gostar dessa palavra, murmurou Joe Steve.
     - Como disse?
     - Eu dizer que vocês poder ganhar bom dinheiro com venda de produtos. Poder vender e lucrar, ficar ricos, comprar mais campos e mais coisas e depois ficar mais ricos e comprar mais terras e ficar mais ricos e comprar...
     - Mas nós estamos felizes com o que temos.
     - Não dever ficar felizes com o que ter. Dever desejar sempre ter mais e mais. Não entender... Vocês poder abater árvores do bosque e enriquecer muito com a venda da madeira; e depois ter mais campo para cultivar e conseguir grande safra a cada ano e vender e ficar ainda mais ricos. Porque não aproveitar para lucrar com o que ter à sua volta?
     - Que bobagem, Jesus só tinha o seu manto e as suas sandálias e não precisava de mais nada. Nós temos até demais: casas, campos, animais, frutos, boas colheitas, filhos saudáveis.
     - Mas se filhos adoecer?
     - Nós os tratamos com a medicina da natureza; e não existem melhores remédios que os feitos com as plantas.
     - Mas o que fazer depois que filhos crescer?
     - Quando ficam adultos os filhos escolhem os seus caminhos. Os que desejam ficar aqui são abençoados; os que querem ir para outros lugares, mesmo para as cidades loucas, também são abençoados e avisados do que irão encontrar e serão bem recebidos quando quiserem voltar.
     - E o ensino? Como formar filhos?
     - Todos os adultos são professores e temos uma grande biblioteca com todos os livros que precisamos – desde ciências até a boa literatura. Além disso, não há melhor mestra que a natureza.
     - Mas como dividir a colheita?
     - Igualmente. Por que seria de outra maneira?
     - Vocês viver em comunismo e isso ser mau. Dever viver em democracia. Quem ser o chefe?
     - Nós não temos chefe. Todos são chefes em suas casas e tem os mesmos direitos fora delas.
     - Mas quando surgir problemas, como furtos e assassinatos, o que fazer?
     - Não temos furtos, porque não há necessidade de furtar. Assassinatos muito menos; todos são muito bem educados. Mas, quando surge algum problema, nos reunimos e sempre achamos a melhor solução.
     - Dar exemplo for me.
     - Por exemplo, os que ficam velhos e não tem mais forças para cultivar são sustentados pelos mais jovens e dia desses...
     - Ah... surgir problema, hehe.
     - Mas foi resolvido. Dia desses, como eu estava dizendo, uma das senhoras mais velhas não tinha velas para festejar o Natal. Nos reunimos e dividimos as velas entre todos.
     - Não entender. Velas?
     - Sempre acendemos velas no Natal. À meia-noite colocamos as velas acesas do lado de fora das janelas, para mostrar nosso júbilo e agradecimento.
     - Eu estar cansado com conversa... Não entender patavina vida pobre de vocês.
     - A nossa vida é muito rica, o senhor nem imagina o quanto!
     - Estar bem. Pedir apenas uma coisa: me vender alguns cachos desta bela uva.
     - Eu darei com o maior prazer. Não vendemos nem compramos nada; sequer usamos moeda, porque não é necessário.
     - Não usar moeda?! Isso ser absurdo! Vou embora!
     Pouco depois, via-se o forasteiro sair a galope de ***, assustando as crianças que brincavam na rua.
     No meio da tarde, quando participava da colheita da comunidade, João Estêvão disse aos seus companheiros:
     - Ele esteve hoje aqui. Almoçou lá em casa.
     - E como foi desta vez? – perguntou um dos amigos.
     - Apenas uma conversa. Ao final, ele queria comprar uvas, mas eu disse que daria as uvas e ele saiu correndo, indignado.
     - Todo Natal é assim – retrucou o amigo. – Sempre aparece na casa de um ou de outro, em formas diferentes, como um ator.
     - Devemos ser simples como as pombas e prudentes como as serpentes – como disse Jesus.
     - Provavelmente você deve ter sentido um cheiro estranho.
     - Bem que as crianças me disseram que quando saiu galopando e gritando feias palavras elas sentiram um cheiro repugnante.
     - Deve ter sido cheiro de ganância. Por mais formas que ele adote, o cheiro é sempre o mesmo.

Um comentário:

  1. Que belo e interessante conto. Tomara que os que lerem, entendam o significado da "visita de Natal". Tudo poderia ser bem mais simples e alegre na comemoração do Natal. Mas a entranhada mentalidade capitalista deixa? Vamos continuar lutando para as mudanças que um dia certamente virão.
    Lidia.

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